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\'O que está no mundo não está nos autos\': a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas / What is in the world is not in the court records: the construction of legal truth in criminal cases of drug trafficking

Jesus, Maria Gorete Marques de 25 August 2016 (has links)
O que torna possível que narrativas policiais sobre flagrantes de tráfico de drogas sejam recepcionadas como verdade pelos operadores do direito, sobretudo juízes? Qual verdade jurídica é construída quando a testemunha consiste no próprio policial que efetuou o flagrante? Para responder a essas questões, o estudo apresenta análises dos autos e processos judiciais, de entrevistas com policiais e operadores do direito e dos registros de campo de audiências de custódia, e de instrução e julgamento acompanhadas por observação direta. A variedade de fontes de dados exigiu o uso de multimétodos, tendo como ponto central a análise de fluxo do sistema de justiça criminal. Constatou-se que a verdade policial, descrita nos autos, resulta de um processo de seleção daquilo que os policiais do flagrante vão considerar adequado tornar oficial. Para descreverem essas prisões, os policiais dispõem de expressões, linguagens e categorias, utilizadas em suas narrativas. Esse vocabulário policial justifica a abordagem e a prisão, e passa a fazer parte do campo do direito, incorporado em manifestações e decisões judiciais. Mas o que torna isto possível? Inicialmente, parecia que a questão da fé pública era a justificativa central para a acolhida da verdade policial. Contudo, descobriu-se que um repertório de crenças oferece o suporte de veracidade às narrativas policiais: a crença na função policial, acredita-se no agente por representar uma instituição do estado; crença no saber policial, acredita-se que os agentes apresentam suas técnicas, habilidades e estratégias para efetuarem as prisões; crença na conduta do policial, acredita-se que policiais atuam de acordo com a legalidade; crença de que o acusado vai mentir, acredita-se que os acusados têm o direito de mentir para se defenderem; crença de que existe uma relação entre criminalidade e perfil socioeconômico; crença de que os juízes têm o papel de defender a sociedade e a prisão representa um meio de dar visibilidade a isto. A crença é apresentada por promotores e juízes como necessária para o próprio funcionamento do sistema de justiça. A crença dispensa o conhecer, não se questiona a forma como as informações foram produzidas e adquiridas pelos policiais. Práticas de violência, tortura ou ameaça não são averiguadas. Como não consideram verdadeiras as narrativas das pessoas presas, sobretudo aquelas acusadas por tráfico de drogas, expressões como violência policial, extorsão, flagrante forjado não aparecem nas deliberações de promotores e juízes. A crença é central para o exercício do poder de prender e punir dos juízes. A verdade policial é uma verdade que vale para o direito, possui uma utilidade necessária para o funcionamento do sistema, para que os juízes exerçam seu poder de punir, sendo o elemento central para a constituição da verdade jurídica. / What makes it possible for police narratives about drug trafficking flagrants to be received as truth by jurists and civil servants, especially judges? What kind of legal truth is built when the witness is the officer himself who made the flagrant? In order to answer these questions, this study presents analyses of court proceedings, interviews with police officers, judges, prosecutors and defenders, field notes and direct observation of hearings of custody, instruction and judgment. The variety of data sources required the use of multimethod, with the central point the criminal justice system flow analysis. It was found that the police truth is the result of a selection process of what the police officer will consider appropriate to register and make official. In order to describe these arrests, the policemen make use of expressions, categories and language patterns to narrate their actions. This police vocabulary justifies the approach and imprisonment, and it becomes part of the law field. But what makes this possible? Initially, the issue of public faith seemed central to explain the acceptance of the police truth. However, we discovered that a repertoire of beliefs offers the support for police narratives: the belief in the police as part of the state, people believe in the policemen because he or she represents an institution of the state; belief in the police knowledge, it is believed the agents present their techniques, skills and strategies in order to make arrests; belief in the conduct of the police, it is believed that police officers work within the law; belief that the accused will lie to defend him or herself; belief that there is a relationship between crime and socio-economic profile; belief that judges have the role of defending society and the imprisonment is a way to give visibility to this. Beliefs such as these are present in the discourses of prosecutors and judges as being central to the proper functioning of the justice system. Believing dismisses knowing, there is no questioning on how the information is produced and acquired by police. Practices of violence, torture and threats are not investigated. As prosecutors and judges do not consider true the narratives of people arrested, especially those charged with drug trafficking, expressions such as police violence, extortion, forged flagrant do not appear in the deliberations of prosecutors and judges. Beliefs are central to the exercise of the power to arrest and punish of judges. The police truth is a truth that has a necessary value for the operation of the legal system. In order for judges to exercise their power to punish, a police truth is the central element for the establishment of a legal truth.
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\'O que está no mundo não está nos autos\': a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas / What is in the world is not in the court records: the construction of legal truth in criminal cases of drug trafficking

Maria Gorete Marques de Jesus 25 August 2016 (has links)
O que torna possível que narrativas policiais sobre flagrantes de tráfico de drogas sejam recepcionadas como verdade pelos operadores do direito, sobretudo juízes? Qual verdade jurídica é construída quando a testemunha consiste no próprio policial que efetuou o flagrante? Para responder a essas questões, o estudo apresenta análises dos autos e processos judiciais, de entrevistas com policiais e operadores do direito e dos registros de campo de audiências de custódia, e de instrução e julgamento acompanhadas por observação direta. A variedade de fontes de dados exigiu o uso de multimétodos, tendo como ponto central a análise de fluxo do sistema de justiça criminal. Constatou-se que a verdade policial, descrita nos autos, resulta de um processo de seleção daquilo que os policiais do flagrante vão considerar adequado tornar oficial. Para descreverem essas prisões, os policiais dispõem de expressões, linguagens e categorias, utilizadas em suas narrativas. Esse vocabulário policial justifica a abordagem e a prisão, e passa a fazer parte do campo do direito, incorporado em manifestações e decisões judiciais. Mas o que torna isto possível? Inicialmente, parecia que a questão da fé pública era a justificativa central para a acolhida da verdade policial. Contudo, descobriu-se que um repertório de crenças oferece o suporte de veracidade às narrativas policiais: a crença na função policial, acredita-se no agente por representar uma instituição do estado; crença no saber policial, acredita-se que os agentes apresentam suas técnicas, habilidades e estratégias para efetuarem as prisões; crença na conduta do policial, acredita-se que policiais atuam de acordo com a legalidade; crença de que o acusado vai mentir, acredita-se que os acusados têm o direito de mentir para se defenderem; crença de que existe uma relação entre criminalidade e perfil socioeconômico; crença de que os juízes têm o papel de defender a sociedade e a prisão representa um meio de dar visibilidade a isto. A crença é apresentada por promotores e juízes como necessária para o próprio funcionamento do sistema de justiça. A crença dispensa o conhecer, não se questiona a forma como as informações foram produzidas e adquiridas pelos policiais. Práticas de violência, tortura ou ameaça não são averiguadas. Como não consideram verdadeiras as narrativas das pessoas presas, sobretudo aquelas acusadas por tráfico de drogas, expressões como violência policial, extorsão, flagrante forjado não aparecem nas deliberações de promotores e juízes. A crença é central para o exercício do poder de prender e punir dos juízes. A verdade policial é uma verdade que vale para o direito, possui uma utilidade necessária para o funcionamento do sistema, para que os juízes exerçam seu poder de punir, sendo o elemento central para a constituição da verdade jurídica. / What makes it possible for police narratives about drug trafficking flagrants to be received as truth by jurists and civil servants, especially judges? What kind of legal truth is built when the witness is the officer himself who made the flagrant? In order to answer these questions, this study presents analyses of court proceedings, interviews with police officers, judges, prosecutors and defenders, field notes and direct observation of hearings of custody, instruction and judgment. The variety of data sources required the use of multimethod, with the central point the criminal justice system flow analysis. It was found that the police truth is the result of a selection process of what the police officer will consider appropriate to register and make official. In order to describe these arrests, the policemen make use of expressions, categories and language patterns to narrate their actions. This police vocabulary justifies the approach and imprisonment, and it becomes part of the law field. But what makes this possible? Initially, the issue of public faith seemed central to explain the acceptance of the police truth. However, we discovered that a repertoire of beliefs offers the support for police narratives: the belief in the police as part of the state, people believe in the policemen because he or she represents an institution of the state; belief in the police knowledge, it is believed the agents present their techniques, skills and strategies in order to make arrests; belief in the conduct of the police, it is believed that police officers work within the law; belief that the accused will lie to defend him or herself; belief that there is a relationship between crime and socio-economic profile; belief that judges have the role of defending society and the imprisonment is a way to give visibility to this. Beliefs such as these are present in the discourses of prosecutors and judges as being central to the proper functioning of the justice system. Believing dismisses knowing, there is no questioning on how the information is produced and acquired by police. Practices of violence, torture and threats are not investigated. As prosecutors and judges do not consider true the narratives of people arrested, especially those charged with drug trafficking, expressions such as police violence, extortion, forged flagrant do not appear in the deliberations of prosecutors and judges. Beliefs are central to the exercise of the power to arrest and punish of judges. The police truth is a truth that has a necessary value for the operation of the legal system. In order for judges to exercise their power to punish, a police truth is the central element for the establishment of a legal truth.

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