O cerne da Geologia do Tecnógeno encontra-se, além da consideração do estabelecimento das atividades humanas - e em particular a atividade essencialmente humana, a produção de seus meios de existência - sobre condições de relevos e substratos determinadas, encontra-se na consideração efetiva do homem como agente geológico. E o ponto fundamental que permite tratarmos o homem como tal é a possibilidade de comparação dos efeitos das ações humanas aos efeitos resultantes das causas naturais da dinâmica externa sobre a superfície terrestre, como por exemplo as mudanças climáticas. Tais comparações já têm sido apresentadas por diversos autores, principalmente, em nosso meio, no que diz respeito à erosão acelerada induzida por práticas agrícolas. Em síntese, a ação humana sobre a natureza tem conseqüências geológico-geomorfológicas referíveis a três níveis de abordagem: na modificação do relevo e alterações fisiográficas (relevos tecnogênicos); em alterações da fisiologia das paisagens (criação, indução, intensificação ou modificação do comportamento dos processos da dinâmica externa); na criação de depósitos superficiais correlativos (depósitos tecnogênicos), ou seja, constituindo-se em marcos estratigráficos. No entanto, a atuação do homem enquanto agente geológico introduz algo essencialmente novo, e que o diferencia de todos os demais tipos de agentes e fatores geológicos: a categoria ontológica trabalho. Enquanto os fatores essencialmente naturais funcionam através de cadeias causais, a ação humana se dá através de posições teleológicas, finalidades, objetivos pré-idealizados (e mesmo que os resultados dessa ação não necessariamente correspondam aos objetivos pré-fixados, e muitas vezes mesmo ao contrário, enquanto resultantes de uma atividade produtiva alienada). Os depósitos tecnogênicos são correlativos aos processos decorrentes das formas humanas de apropriação do relevo e, devido à originalidade dessa determinação, sua época de existência por decorrência caracteriza um tempo geológico distinto: o Quinário ou Tecnógeno. No entanto, a passagem do Quaternário ao Tecnógeno, do ponto de vista estratigráfico, não é homogênea espacialmente, em decorrência justamente da discrepância temporal (heterocronia) do desenvolvimento e difusão das técnicas pelo planeta e pelas regiões. E é nas áreas urbanas que os processos decorrentes da ação transformadora, socialmente produzida, do homem sobre a natureza se concentram e intensificam. Nas planícies ou encostas do Município de São Paulo, identificam-se processos e depósitos que resultam, não de quebras da legalidade natural, mas de mudanças de categoria (enquanto formas de existência desses entes naturais), da forma natural para a humanizada. A complexa história geológico-geomorfológica dos terrenos do Município de São Paulo (MSP), do Pré-Cambriano ao Quaternário, reflete-se na atual configuração de um sistema de colinas esculpidas sobre sedimentos terciários da Bacia de São Paulo, emoldurado por terras altas de relevo amorreado e de serras desenvolvido em terrenos cristalinos estruturados em blocos basculados e escalonados pela tectônica formadora da bacia, ou ainda posterior. Por outro lado, o MSP apresenta uma peculiar correlação entre a história de sua ocupação urbana, as características geológicas e geomorfológicas de seus terrenos e o surgimento de situações de risco associadas a escorregamentos, particularmente aqueles de caráter induzido pela ação humana. E se, no MSP, as mais graves situações de riscos geológicos relacionam-se não a maciços naturais, mal a depósitos tecnogênicos (aterros de \"botafora\", coberturas remobilizadas etc.), é certo também que um grande número de situações de escorregamentos, de pequeno porte porém disseminados, e essencialmente de caráter induzido, ocorrem envolvendo colúvios e solos saprolíticos. Apesar de em geral individualmente pouco expressivas, tais situações podem afetar uma parcela significativa da população pobre residente nas periferias. Dessa forma, neste trabalho são estudados casos de escorregamentos induzidos (envolvendo coberturas tecnogênicas, solos superficiais e maciços saprolíticos), em termos de seus mecanismos, geometria, causas, abrangência e conseqüências, tendo em vista refletir sobre as possibilidades de previsão de comportamento desses maciços, tanto em função do aprimoramento da análise de riscos geológicos quanto à melhor proposição de soluções para suas estabilizações. Dentre as formas de enfrentamento dos problemas geológicos e geotécnicos urbanos do MSP que têm sido propostas e efetuadas recentemente no Município de São Paulo, destacam-se a cartografação geotécnica, a análise de riscos geológicos em favelas e loteamentos precários, e ainda a proposição de planos preventivos de defesa civil. No entanto, na atualidade é possível refletir criticamente sobre os caminhos de tal atuação. Ao lado de, admite-se, um inédito desenvolvimento de técnicas e procedimentos de análise de riscos que, apesar de seus problemas, puderam ser aperfeiçoadas por várias contribuições durante todo o período, e da grande abrangência dos diagnósticos e dos mapeamentos efetuados, sérias dificuldades puderam ser constatadas. Esses problemas se expressam tanto em relação à adequação das técnicas utilizadas aos objetos específicos de estudo e aplicação (o que se ressalta no caso da cartografia geotécnica), como à efetivação das soluções técnicas propostas: a relocação das populações removidas das \"áreas de risco\", ou as formas rígidas, e nem sempre eficientes, de \"consolidação geotécnica\" e reutilização das áreas, ou mesmo a reocupação desordenada dessas mesmas áreas e, enfim, ao crescimento do número de situações de risco. Todos esses fatores expressam a insuficiência das ações efetuadas em relação à gravidade da questão. Tais problemas são explicados, por um lado, pela falta de recursos, pela falta de experiência, pelas deficiéncias organizacionais do aparelho de estado. Mas também, e principalmente, pela falta de uma análise teórica que apreendesse as causas e pontos fundamentais do surgimento dos problemas geológicos urbanos e das áreas de risco, em seu enraizamento social, e que, através de uma visão de conjunto que não se calcasse somente nas soluções técnicas, procurasse caminhos realmente efetivos para o solucionamento dos problemas geológicos urbanos. / The essence of Technogene Geology resides in the effective consideration of the man as geological agent, in addition to the consideration of human activities establishment - and in particular the activity mainly human, the production of its livelihood - regarding certain conditions of relief and substratum. The fundamental point that let us treat the man as such is the comparision of his activities with the resulting effects of natural causes of exogenous processes over the earth surface, for instance the climatic changes. Such comparisons have already been shown by several authors, mainly in respect to the rapid erosion induced by agricultural practices. In short, the human action over the nature has geological-geomorphologic consequences concerning to three approach levels: in the relief modification and physiographical changes (technogenic reliefs); changes in landscape physiology (creation, induction, intensification or changes in exogenous processes behavior); in the creation of superficial correlative deposits (technogenic deposits), that is to say, setting themselves up as stratigraphical limits. However, the action of the man as geological agent introduces something essentially new, that differentiates him from all other types of agents and geological factors: the ontological labor category. While factors essentially natural happen through causal chains, the human action happens through teleological postures, purposes, objectives previously idealized (even if the results of this action do not necessarily correspond to the preset objectives and many times even otherwise, since such results is a resultant from a produtive alienated activity). Technogenic deposits are linked to processes resulting from human types of relief appropriation, and, due to the originality of this determination, their existence Period characterize a distinct geological age: Quinary or Technogene. However, the Quaternary to Technogene passage, on stratigraphical point of view, is not homogenous, due exactly to temporal discrepancy (heterocrony) on the development and spreading of the technique through the planet and regions. It is in urban areas that the processes resulting from human transformation action over the nature concentrate and intensify. In the alluvial plains or hillsides of the city of São Paulo can be identified processes and deposits, that is a result not from natural legality rupture but from changes in the category (while patterns of existence of these natural beings) from natural to humanized form. The city of São Paulo shows a peculiar correlation among the history of its occupation, geological and geomorphologic characteristics of its massifs and the appearence of risk situations associated to landslides, particularly those induced by human action. On the other hand, its complex geological- geomorphologic history, from Pre-Cambrian to Quaternary, has implications for the current configuration of a Sedimentary Basin framed by highlands with mound relief and mountains developed in crystaline massifs structured in blocks seesawed and staggered by the tectonic molder of the Basin, or even posterior. If, in the city of São Paulo, the most serious situations of geological hazards are not related to natural massifs, but to technogenic deposits (filled lands, reworked covers etc.), it is also true that a large number of induced landslide situations, related to technogenic deposits or lateritic and saprolitic soils, small-sized but disseminated, can affect a significative portion of the poor population who lives in outskirts. So, in this study, cases of induced landslides are reported, in relation to its mechanisms, geometry, causes, spread and consequences, having in mind reflect about the possibilities of behavior prevision of those massifs. The resolution of these problems was made by several means at recent times. However, nowadays it is possible to think critically about the ways of such acting. Beside an unprecedented recent development on techniques and procedures of risk analysis which, in spite of its problems, were continually improved by several contributions during the whole period, and by the great spread of the geothecnical mapping and risk diagnostics, serious difficulties were noticed. These problems express themselves as much regarding the replacement of the removed population, or in relation to rigid forms, and not always efficient, of \"geothechnical consolidation\" and re-using of the areas, as even the disorganized reoccupying of the same areas and, finally, to the persistent increase on the number of geological hazards. All these factors express the inadequacy of the action carried out regarding the problem seriousness. Such problems are explained, on the one hand, by the lack of resources, lack of experience and deficiency on the state organization. But also, and mainly, by the lack of a theoretical analysis which learnt the causes and fundamental points of the appearance of geological problems and hazard areas in its social root, and that it looked for steps really effective to the solution of the problem, through an overall view not based only in technical solutions.
Identifer | oai:union.ndltd.org:usp.br/oai:teses.usp.br:tde-03102014-100328 |
Date | 30 January 1997 |
Creators | Peloggia, Alex Ubiratan Goossens |
Contributors | Basei, Miguel Angelo Stipp |
Publisher | Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP |
Source Sets | Universidade de São Paulo |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | Tese de Doutorado |
Format | application/pdf |
Rights | Liberar o conteúdo para acesso público. |
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