O automóvel é um factor-chave no quadro das profundas transformações tecnológicas ocorridas na
passagem para o século XX e que por este se prolongam.
Com o automóvel, o território e o entendimento deste mudam radicalmente. O espaço passa a medir-se
não por unidades de distância, mas por relações de espaço/tempo. Em paralelo, a cidade vê transformadas,
tanto a sua escala, como definição, e os canais e as áreas de paragem que acolhem a nova máquina
configuram significados a que só a sua presença desta dá sentido, moldados não apenas por
determinações funcionais, mas assumindo ser reflexo, também, de uma apologética.
Mas no momento em que - por todo o mundo, e desde o seu aparecimento ou em que se adivinhava a sua
massificação -, se teorizava e experimentava sobre o território, tendo neste veículo os maiores pretexto
e/ou motivação, Portugal não segue tendências internacionais. Não existem, aqui, manifestos ou produção
doutrinária (elaborada com a intenção de se assumir nessa condição) que permitam avaliar os impactos
das novas formas de mobilidade, mecanizadas e de uso individual, sobre a cidade.
Neste quadro, interessa-nos perceber o contributo do automóvel para a reformulação urbana no nosso
país.
Face à falta de produção teórica, o extenso programa emergente com o Decreto-Lei 24 802, de 21 de
Dezembro de 1934, para realização dos Planos Gerais de Urbanização - em mais de 400 núcleos
populacionais - mostra-se terreno ideal para estudar o pensamento de urbanistas/arquitectos no que refere
ao propósito de ligar o automóvel e a cidade, já que esta é pela primeira vez pensada de modo sistemático,
alargado territorialmente e sob os impactos deste veículo, dos pequenos aos grandes aglomerados, de
Norte a Sul; acresce que o país está, ainda, numa fase de afirmação e disseminação dessa mesma máquina
e, em simultâneo, sujeito a novos conceitos espaciais e formais, por acção de influências externas.
Interessam-nos os conceitos e ideias que incorporaram o pensamento urbanístico, pelo que a realização
concreta, sobre o território, não é um dado fundamental. Assim, centramos o estudo na investigação da
palavra, como instrumento central de conceptualização (peças escritas dos planos e relatórios de avaliação
da Tutela) - embora sem descurar a expressão desenhada como concretização do discurso.
Em suma, procura-se entender o papel que o automóvel assumiu na produção de referências e ideias de
formas e espaços urbanos.
O arco temporal da investigação define-se entre as décadas de 1930 - no início do programa - e de 1960.
Sublinhamos que os anos 60 correspondem a uma explosão de tendências e ao fim do mito de que a
cidade poderia ser programada e pensada como um acto de desenho tão determinado como foi tentado
com os Planos Gerais de Urbanização.
Com o estudo, concluímos que, em Portugal, qualquer acção não adquire uma radicalidade tão profunda
como podemos encontrar na historiografia estrangeira e nos postulados dos mais destacados ideólogos da
cena internacional.
Os modelos não se afirmam com a mesma força. Os conceitos ideológicos posicionaram-se, entre nós, do
lado da política, enquanto instrumentos de propaganda, de desenvolvimento económico e de celebração
da raça, do território e dos bons feitos do passado. O turismo e o automóvel articulam-se nessa
sublimação do Portugal herdeiro de um outro que, mais do que recordado, é promovido como guião para
os novos tempos. As novas composições de desenho urbano reflectem um gosto herdado, que convive
com a vanguarda que o automóvel é em si mesmo.
Em síntese, não será possível dizer que o desenho urbano é o automóvel, mas a importância deste é
central, expressa em espaços, formas e nos impactos gerados para integração, disseminação e uso desta
nova máquina sobre as novas ideias de cidade. Ou seja, a sua expressão, ainda que contaminada com a
inevitabilidade de incorporação das tendências teóricas que sopravam do exterior, é resultado de uma
síntese que só faria sentido num país que se fechara sobre si mesmo. / The motor car is a key factor in the Framework of the Great technological changes occurring at the turn of
the 20th century continuing during it.
The territory and what is understood by it changes radically with the motor car. The area is no longer
measured by distance units, but by the relationship of area/time. At the same time, the city is transformed
both in size and definition, and the ways and parking areas that accommodate the new machine. These
only make sense because of the car, based not only on functional reasons but also assuming to be the
mirror of an apology.
But at the time when - in the whole world and since its emergence or when the mass production seemed
eminent - there has been theorization and experimentation on the territory, the greatest pretexts and/or
motivation is in this vehicle, although Portugal did not follow the international trends. There are no
patents or production doctrines (prepared with the aim of assuming that status) that allows for the
assessment of the impact of the new means of mobility, mechanical and for personal use, in the city.
In this Context, it is important to understand the contribution of the motor car for the urban reform in our
country.
Due to the lack of theoretical production, the comprehensive programme resulting from Law Decree 24
802, of 21 December of 1934, for the provision of the Planos Gerais de Urbanização [General Urban
Planning) - in more than 400 settlements - is the ideal ground to study the ideas of the town
planners/architects concerning the link of the motor car and the city, since it is for the first time planned
in a systematic manner, over an extended territory and based on the impact of this vehicle, from the small
to the great agglomerates from the North to the south; considering that the country is, still in a phase
assertion and dissemination of this machine and simultaneously subject to new spatial and formal
concepts, due to external influences.
We are concerned with the concepts and ideas that incorporate the urban plan, since the concrete
achievement on the territory is not a basic requirement. We therefore base the study in the research of the
word, as a central instrument to the conceptualism (this includes written texts and drawings for approval
by the state supervisory body) without neglecting the plan drawings as an implementation of this.
In short, we try to understand the role that the motor car assumed in the production of references and
ideas of shapes and urban spaces.
O Time period of the research starts in the 30's with the beginning of the programme to the 60's. We
point out that the 60's corresponds to an explosion of tendencies and the end of the myth that the city
could be planned and programmed like a set drawing as tried in the Planos Gerais de Urbanização.
With this study, we conclude that, in Portugal, each action is not as radical as what we can find in the
foreign historiography and amongst the assumptions of the most prominent ideologists of the
international scene.
The models are not all accepted in the same manner. The ideological concepts set among us on the
political side, while the propaganda instruments, of economic development and the celebration of the
race, the territory and of the great achievements of the past. Tourism and the motor car articulate in that
sublimation of the Portugal heir of another, that being more than a memory, is promoted like a script for
the future. The new urban plan compositions reflect an inherited flair, coexisting with the frontrunner, or
the motor car.
In summary, it is not correct to say that urban planning is about the motor car, but the latter is very
important, as shown in the spaces, shapes and the impact created for the integration, dissemination and
the use of this machine when planning the city. That is its significance, although inevitably incorporated
in the theoretical tendencies that come from the outside, is the result of a summary that would only make
sense in a country that is inward looking.
| Identifer | oai:union.ndltd.org:up.pt/oai:repositorio-aberto.up.pt:10216/149374 |
| Date | 18 May 2023 |
| Creators | José Júlio Cabral Faria Frias Dias |
| Contributors | Faculdade de Arquitectura |
| Source Sets | Universidade do Porto |
| Language | Portuguese |
| Detected Language | Portuguese |
| Type | Tese |
| Format | application/pdf |
| Rights | openAccess |
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