A deficiência de ferro, quando severa denominada de anemia, é a deficiência nutricional mais comum globalmente, em especial nos países em desenvolvimento. A deficiência de ferro há muito tempo tem sido relacionada à diminuição da atividade do sistema imunológico e da capacidade de trabalho. Mais recentemente, o excesso de ferro tem sido associado ao aumento do risco de doenças crônico-degenerativas e de câncer. Existem evidências inconclusivas de que a carência de ferro poderia elevar o nível de danos no DNA. Mais ainda, com base nesse conceito pode-se pensar na hipótese de que a carência de ferro eleve a suscetibilidade ao câncer, especialmente nos tecidos que sofrem efeitos mais severos da carência de ferro. Portanto, os primeiros objetivos deste trabalho foram: (a) avaliar experimentalmente quais as repercussões da deficiência de ferro na estabilidade genômica em crianças e adolescentes; e (b) revisar a literatura acerca da associação entre a deficiência de ferro e o risco de câncer no trato gastrintestinal. Outro aspecto que não pode ser negligenciado é o fato de que o ferro é extremamente pró-oxidante nos sistemas biológicos, como no caso da anemia falciforme, e que a toxicidade de sua sobrecarga endógena precisa ser avaliada. Com efeito, o segundo objetivo deste trabalho foi avaliar tais efeitos em humanos com anemia falciforme (sobrecarga endógena) e em camundongos suplementados com ferro (sobrecarga exógena). A resposta ao problema global de carência de ferro está centrada no tratamento com doses profiláticas de ferro e a um incremento contínuo da oferta de ferro na dieta (p.ex. programas de suplementação nas farinhas e suplementos nutricionais), o que tem impacto ainda desconhecido sobre a estabilidade genômica. Daí emerge o terceiro objetivo desse estudo: avaliar se a vitamina C, o suco de laranja ou uma dieta rica em antioxidantes poderia diminuir a toxicidade ao DNA gerada pela suplementação com ferro em camundongos. Soma-se a esse objetivo, avaliar se o composto quelante de ferro desferoxamida ou a vitamina C (vitamina chave na biodisponibilização do ferro não heme) administrados na fase adulta podem melhorar os efeitos de perda de memória e dano no DNA induzidos por um tratamento com ferro no período perinatal em ratos, uma vez que o mal de Parkinson e Alzheimer têm progressão lenta e emergência tardia e estão associados ao acúmulo de ferro no cérebro. O quarto objetivo do trabalho foi definir a concentração ideal de ferro para células em cultura, em paralelo a avaliação de marcadores nucleares e mitocondriais de estabilidade genômica e da análise da expressão de genes ferro-dependentes envolvidos no reparo de DNA. Em resumo, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito para a instabilidade genômica da deficiência e do excesso de ferro em modelos murinos e grupos populacionais humanos (crianças com alta vulnerabilidade: deficiência; pacientes de anemia falciforme: excesso), testar estratégias para reduzir a toxicidade do ferro para a memória e para o DNA (pela administração de alimentos, vitaminas e medicamentos), e, finalmente, determinar qual a dose ideal de ferro para manter a estabilidade genômica de células em cultura. Para tal, as metodologias principais empregadas foram: ensaios cometa neutro e alcalino, para avaliação de danos primários ao DNA; teste de micronúcleos em medula óssea de camundongos e em células em cultura citocinese-bloqueadas para determinação de clastogenênese/aneugênese; Particle Induced X-ray Emission (PIXE) para avaliação do nível de ferro nos tecidos; polimerase chain-reaction quantitativo em tempo real (QRTPCR) para avaliação do comprimento de telômeros e do número de cópias do genoma mitocondrial e nível de expressão de genes de reparo de DNA. Adicionalmente, testes de memória foram utilizados em ratos e avaliações do consumo de nutrientes foram empregados nas crianças e adolescentes com carência de ferro. Os resultados da pesquisa apontam um aumento de danos no DNA, tanto em situações de excesso como de deficiência de ferro. Para o caso da deficiência de ferro, observou-se em crianças e adolescentes avaliados um padrão geral de má-alimentação, marcado pela carência de várias vitaminas, especialmente ácido fólico e niacina e incidência de verminoses. A revisão bibliográfica apontou evidências preliminares do aumento do risco de câncer no trato intestinal em função de baixa ingestão de ferro, bem como uma quantidade de ferro ideal para minimizar este risco (20 mg/dia Fe, valor maior do que as recomendações nutricionais atuais para humanos). Os mecanismos associados a esse aumento de risco incluem desequilíbrio nas respostas imunes contra células malignas, no metabolismo de compostos tóxicos, bem como na regulação redox e na biossíntese e reparo do DNA. Quanto às estratégias para reduzir a toxicidade do ferro, os resultados indicam que a vitamina C, comumente associada à suplementação com ferro, pode aumentar a toxicidade de ferro e é inefetiva para reduzir o déficit de memória induzido desse metal. O suco de laranja, uma alternativa saudável à vitamina C no aumento da biodisponibilidade do ferro não heme, parece ser mais adequada para reduzir a toxicidade do composto, da mesma forma que a dieta rica em antioxidantes testada. O quelante de ferro mais empregado globalmente (desferoxamida) foi efetivo em reverter o déficit de memória e os danos induzidos pelo ferro. Quanto à definição da dose ótima de ferro para o cultivo celular, evidenciou-se que a suplementação com ferro a longo-prazo, tanto na forma de sulfato ou como ferro ligado à transferrina pode contribuir no aumento da estabilidade genômica. Esses dados provêm de por metodologias de vanguarda, como comprimento de telômeros e estabilidade mitocondrial acessados por QTRTPCR, e indicam que a concentração ideal de ferro se situa numa faixa bastante estreita (6-20 μM Fe no meio de cultura). A análise da expressão de genes de reparo, executada em paralelo aos experimentos de suplementação com ferro nas células, revelou um novo mecanismo de controle pós-trascricional de genes dos genes WRN e MUTYH, que codificam, respectivamente, para uma DNA helicase e uma DNA glicosilase, ambas contendo ferro. Os resultados ora apresentados visam fornecer subsídios para manter a estabilidade genômica, reduzir o risco de câncer e maximizar a saúde dos indivíduos estudados, sendo aplicáveis globalmente pela da universalidade do cenário de desequilíbrio nutricional de ferro. Os avanços da pesquisa contribuem à incorporação do conceito de estabilidade genômica às recomendações nutricionais, que tradicionalmente sugerem níveis mínimos de nutrientes para diminuir a incidência de doenças associadas à deficiência e não visam deficiências nutricionais sutis e crônicas. Os resultados também contribuem a nutrigenômica: área incipiente de interface entre a genética e a nutrição, que aborda a interação entre os genes e os alimentos e, de uma forma particular, em estudar como os nutrientes afetam o genoma humano. Considerando a possibilidade de efeitos adversos do tratamento de ferro em indivíduos debilitados do ponto de vista bioquímico (p.ex. falta de antioxidantes) e as sugestões de associação entre o aumento da ingestão de ferro e acréscimo na incidência de câncer nos países de primeiro mundo, faz-se necessária uma definição parcimoniosa da melhor estratégia de suplementação/tratamento com ferro, no intuito de evitar instabilidade genômica em indivíduos com alimentação depauperada em nutrientes fundamentais à estabilidade genômica. Os resultados dos estudos in vitro desenvolvidos neste trabalho auxiliam no desenvolvimento de meios de cultura fisiológicos, lançam luzes sobre o problema da definição dos níveis ótimos de ferro para maximização da estabilidade genômica (p.ex. para células-tronco e protocolos de transplante) e evidenciam um novo mecanismo de controle do ferro sobre a expressão de genes de reparo de DNA. / Iron deficiency, named anemia when severe, is the far most common micronutrient deficiency worldwide, particularly among citizens of developing countries. Iron deficiency has been linked for a long time to immune system impairment and reduction in work capacity. Iron excess has been also associated, lately, with increased risk of chronic degenerative diseases and cancer. There are inconclusive evidences iron deficiency could increase the DNA damage level. Based in this concept, one could hypothesize iron deficiency increases cancer susceptibility, especially in tissues that suffer higher effect of iron deprivation. Therefore, the first aims of this research were: (a) to evaluate experimentally the repercussions of iron deficiency over genome stability and cancer risk in gastrointestinal tract; and (b) to review the literature towards the potential association between iron deficiency and gastrointestinal cancer risk increase. Another aspect that deserves attention is the fact of iron been extremely pro-oxidant in biological systems, as in sickle cell disease. Indeed, the second aim of this research was to evaluate such effects in humans with sickle cell disease (endogenous overload) and in mice supplemented with iron (exogenous overload). The answer to the global issue of iron deficiency is centered in treatment with prophylactic or curative iron doses and there is a general increase in dietary iron levels (e.g. flour supplementation programs and nutritional supplements) which has and not fully elucidated impact over genomic stability. Form this issue, emerges the third aim of this research: to evaluate if vitamin C, orange juice or a diet rich in antioxidants could reduce iron genotoxicity associated to iron supplementation. Summed to this objective, is the evaluation if the iron chelator desferoxamide and vitamin C (vitamin has a key role in iron bioavailability) administered in adulthood could ameliorate the memory impairment and DNA damage increase induced by iron treatment during neonatal period; particularly given the fact Parkinson and Alzheimer diseases have slow progression and are associated to selective accumulation of iron in brain. The fourth objective of the research was to define the ideal concentration of iron to cell cultures, in parallel to the evaluation of nuclear and mitochondrial markers of genomic stability as well as of the analyses of expression of iron-dependent genes involved in DNA synthesis and repair. All objectives can be summarized, as to evaluate the effect over genomic stability of iron deficiency and overload in murine models and human populations (children and adolescents with low socioeconomic background: deficiency and sickle cell disease: overload), to test strategies to reduced iron toxicity to memory and DNA (through the administration of foods, vitamins and medicines, and, finally, to determine the ideal dose for genome maintenance in cell cultures. The main methods used were: neutral and alkaline comet assay, to evaluate primary DNA damages; micronucleus test in mice bone marrow and cytokinesis-block cell cultures, to determine clastogenenicity/aneugenicity; Particle Induces X-ray Emission (PIXE), to determine iron level in tissues; and quantitative polymerase chain-reaction (QRTPCR) to evaluate telomere length, mtDNA copy numbers and mRNA level of DNA repair genes. Additionally, memory tests and nutrient consumption evaluations were used. Results suggested an increase in DNA damage either for iron deficiency or overload. Regarding iron deficiency, children and adolescents with low socioeconomic status evaluated had a poor nutritional profile, marked by nutritional deficiency, particularly of folic acid and a high prevalence of parasitosis. In the review article regarding the association between iron deficiency and cancer risk increase, the review of a few experimental studies in murine animals and some epidemiological studies in humans indicated preliminary evidences towards an association between iron deficiency and increased cancer risk. Moreover, the mechanism by which iron deficiency could induce early onset and progression of tumors in gastrointestinal tract was discussed, including: impairment of iron-dependent metabolic functions (e.g. depressed immune defenses against malignant cells, reduced metabolization of toxic compounds, and unbalance in antioxidant defenses and DNA biosynthesis and repair). Regarding the strategies to reduce iron supplementation-associated toxicity, results suggest vitamin C was ineffective to reduce iron genotoxicity, could increase iron toxicity and was not able to repair ironinduced memory impairment. On the other hand, orange juice, a healthy alternative to vitamin C, could reduce iron toxicity, similarly to the also tested diet rich in antioxidants. Desferoxamide, the most used iron chelator worldwide, was effective to reverse iron induced memory deficit and DNA damages induced by iron; however, its clinical usage is difficult. Regarding the definition of the optimal dose for genomic stability for cells in culture, we observed an increase in cell proliferation and genomic stability (comet assay, telomere length and micronucleus) either for iron sulfate or holotransferrin, however in a very narrow range. The analyses of expression of iron-related genes showed a new posttranscriptional regulation mechanism for iron-containing DNA helicase WRN and DNA glycosylase MUTYH. The results herein presented aim to provide subsides to maintain genomic stability, reduce cancer risk and to maximize the health, being widely applicable in face to the universality of iron deficiency. The research advances can contribute to the incorporation of the concept of genomic stability to nutritional recommendations; which traditionally are based in minimal levels of nutrients to diminish the incidence of diseases (e.g. anemia for iron) and are not focused in subtle nutrient deficiencies that can have chronic effects. Results also contribute to nutrigenomics: incipient area of interface between nutrition and genetics, which aims to evaluate how nutrients influence human genome. Considering the potential noxious outcomes of iron treatment in nutrient deprived individuals (i.e. with low antioxidant defenses or shortage of B vitamins), and the increase of dietary iron content, there is an urgency for the definition of the best supplementation strategy to prevent genomic stability. In vitro studies to define the adequate iron concentration can be useful for the definition of the optimal levels of iron to maximize genomic stability that could also be applied in improving cell culture protocols, for example to ex vivo culture of bone marrow previous to grafting after radiotherapy. In vivo studies also shed light upon a new mechanism for iron-dependent DNA repair regulation.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:lume.ufrgs.br:10183/132752 |
Date | January 2008 |
Creators | Pra, Daniel |
Contributors | Henriques, Joao Antonio Pegas, Erdtmann, Bernardo |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/doctoralThesis |
Format | application/pdf |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS, instname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instacron:UFRGS |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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