O aquecimento global constitui um dos maiores desafios à humanidade e à governança internacional nesta entrada de milênio. A elevação na temperatura média do planeta tem provocado alterações climáticas que acarretam elevação do nível e aquecimento dos oceanos, ocorrência mais frequente de furacões e tempestades, prejuízos à agricultura e inúmeras mudanças nos biomas. A contribuição humana é cada vez mais significativa para o fenômeno, pelo lançamento na atmosfera de gases que concentram o calor do sol, os chamados gases-estufa. Os prognósticos indicam que medidas devem ser tomadas com urgência, a fim de evitar que a capacidade de autoregulação do sistema climático terrestre seja sobrepujada, com danos irreversíveis. Entretanto, não se pode vislumbrar ainda a inversão na tendência de aumento nas emissões, uma vez que o crescimento das atividades produtivas e do consumo continua sendo perseguido como o grande mote do desenvolvimento. A despeito das ressalvas em defesa do crescimento econômico, os países têm empreendido esforços com vistas à mitigação das emissões de gases-estufa. Parte destes esforços se concentra na cooperação conduzida no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e de seu Protocolo de Kyoto. Nessa frente, os países buscam definir mecanismos e incentivos, bem como compromissos de limitação de emissões, dos quais tomam parte apenas alguns países. No nível nacional e regional, diversos instrumentos regulatórios são concebidos com o fim de reduzir as emissões. Nessa âmbito, destaca-se a tendência de incorporação de instrumentos de mercado, os quais, por meio da atribuição de preço às emissões de carbono, buscam oferecer incentivos à sua redução. Em ambas esferas - multilateral e nacional -, questões de caráter econômico e comercial adquirem relevância cada vez maior. Identifica-se, em primeiro plano, preocupações com a perda de competitividade da indústria nacional, em vista dos custos a serem assumidos na adaptação às regulações e políticas climáticas. A contenção de emissões é vista também como potencial fator de desaceleração do crescimento econômico. Tais apreensões fundamentam resistências por parte dos setores industriais, que são traduzidas em posicionamentos relutantes por parte dos governo perante os fóruns internacionais. Posturas como esta são apontadas como principal razão pela qual grandes países emissores se negam a assumir compromissos obrigatórios de mitigação de emissões. No âmbito nacional, os formuladores de políticas têm concebido a introdução de medidas destinadas a resguardar a competitividade, as quais podem resultar em restrições ao comércio internacional. Não apenas esta classe de medida, mas também os diversos tipos regulatórios introduzidos como instrumentos em políticas climáticas possuem potencial impacto para o comércio, na medida em que podem afetar o fluxo internacional de bens ou serviços, em sua aplicação às importações ou por sua repercussão sobre elas. Como as políticas climáticas nacionais integram os esforços para a alcançar metas assumidas no âmbito multilateral, podem estar relacionadas a esta regulação. Desta forma, questões de potencial implicação para o comércio constituem fator essencial para a efetividade da regulação climática, em todos os níveis. Assim, a normativa da Organização Mundial do Comércio (OMC), que centraliza e coordena os acordos multilaterais comerciais, toma-se relevante para a questão. A interação entre os regimes de comércio e meio ambiente já há muito motiva reflexões e desperta controvérsias, ao confrontar valores e objetivos não forçosamente ligados. Diante disso, demonstra-se a relevância do exame das perspectivas da lei da OMC para as medidas comerciais em políticas climáticas, tema que anima o presente o estudo. A opção pelo uso do termo \"perspectivas\" justifica-se pela dificuldade em prever parâmetros fechados e bem definidos que possam ser aplicados a estas medidas, uma vez que nenhuma disputa relativa a elas foi ainda levantada perante o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Ademais, acredita-se que a natureza complexa destas medidas, assim como o ampliado potencial de impacto para o comércio, dificulta a identificação plena com as medidas ambientais já apreciadas nas disputas perante o OSC. Frente à grande diversidade de medidas disponíveis aos membros da OMC, optou-se por delimitar a análise a três tipos regulatórios básicos: imposto de carbono, regulamento e subsídio. Além destes, será examinado o sistema de comércio de emissões, também conhecido como cap-and-trade, por ser um tipo de regulação-quadro inédito e típico de políticas climáticas, o qual pode integrar os demais tipos. No trajeto a ser cursado, pretende-se responder às seguintes questões centrais: (i) quais são as principais implicações econômicas e comerciais das políticas de mitigação de emissões; (ii) quais são as principais medidas comerciais instrumentais a essas políticas; (iii) como tem-se desenvolvido o regime multilateral do clima e quais os principais pontos de contato ou atrito com o regime do comércio; (iv) quais as motivações e os meios para a inserção de questões ambientais nas vias institucional e adjudicatória da OMC; (v) como a jurisprudência da OMC tem evoluído na apreciação de questões ambientais e quais conceitos e princípios nela desenvolvidos são relevantes para a conformidade de medidas comerciais em políticas climáticas; (vi) quais desdobramentos dos princípios básicos e dos acordos do sistema multilateral de comércio são relevantes e como podem se aplicar a estas medidas. O capítulo inicial dedica-se a uma breve descrição do problema climático, bem como das principais implicações econômicas e comerciais que suscitam preocupações acerca de competitividade ou que podem possuir impacto para o comércio. Também traça uma comparação entre as características gerais dos regimes e como estas determinam a interação entre eles. O segundo capítulo apresenta os princípios básicos que norteiam a criação e aplicação das normas do sistema multilateral de comércio, bem como as exceções previstas nos acordos da OMC. Aborda também a inserção do meio ambiente na estrutura institucional do sistema, com ênfase aos trabalhos do Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente (CTE) e no mandato ambiental da Rodada Doha. Uma análise mais detida se realiza sobre o tratamento do meio ambiente na jurisprudência da OMC. Esta se divide no exame do papel do asc para a interpretação do artigo XX e na evolução dessa interpretação. O terceiro capítulo descreve os traços principais do regime climático. São apresentados os objetivos, princípios e disciplinas essenciais da UNFCCC e do Protocolo de Kyoto, bem como o status das negociações conduzidas sob seus auspícios. Destaca-se em relação ao último ponto o papel e as posições dos países-chave. No último capítulo, busca-se identificar a relação entre a normativa da OMC e a regulação climática em dois níveis. No primeiro, o foco recai sobre a relação normativa horizontal entre a regulação multilateral do clima e do comércio. Uma vez que esta não foi abordada na jurisprudência, busca-se na doutrina o esclarecimento sobre o papel das regras de acordos ambientais como lei aplicável na OMC, bem como a solução de conflitos entre estas regras / O aquecimento global constitui um dos maiores desafios à humanidade e à governança internacional nesta entrada de milênio. A elevação na temperatura média do planeta tem provocado alterações climáticas que acarretam elevação do nível e aquecimento dos oceanos, ocorrência mais frequente de furacões e tempestades, prejuízos à agricultura e inúmeras mudanças nos biomas. A contribuição humana é cada vez mais significativa para o fenômeno, pelo lançamento na atmosfera de gases que concentram o calor do sol, os chamados gases-estufa. Os prognósticos indicam que medidas devem ser tomadas com urgência, a fim de evitar que a capacidade de autoregulação do sistema climático terrestre seja sobrepujada, com danos irreversíveis. Entretanto, não se pode vislumbrar ainda a inversão na tendência de aumento nas emissões, uma vez que o crescimento das atividades produtivas e do consumo continua sendo perseguido como o grande mote do desenvolvimento. A despeito das ressalvas em defesa do crescimento econômico, os países têm empreendido esforços com vistas à mitigação das emissões de gases-estufa. Parte destes esforços se concentra na cooperação conduzida no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e de seu Protocolo de Kyoto. Nessa frente, os países buscam definir mecanismos e incentivos, bem como compromissos de limitação de emissões, dos quais tomam parte apenas alguns países. No nível nacional e regional, diversos instrumentos regulatórios são concebidos com o fim de reduzir as emissões. Nessa âmbito, destaca-se a tendência de incorporação de instrumentos de mercado, os quais, por meio da atribuição de preço às emissões de carbono, buscam oferecer incentivos à sua redução. Em ambas esferas - multilateral e nacional -, questões de caráter econômico e comercial adquirem relevância cada vez maior. Identifica-se, em primeiro plano, preocupações com a perda de competitividade da indústria nacional, em vista dos custos a serem assumidos na adaptação às regulações e políticas climáticas. A contenção de emissões é vista também como potencial fator de desaceleração do crescimento econômico. Tais apreensões fundamentam resistências por parte dos setores industriais, que são traduzidas em posicionamentos relutantes por parte dos governo perante os fóruns internacionais. Posturas como esta são apontadas como principal razão pela qual grandes países emissores se negam a assumir compromissos obrigatórios de mitigação de emissões. No âmbito nacional, os formuladores de políticas têm concebido a introdução de medidas destinadas a resguardar a competitividade, as quais podem resultar em restrições ao comércio internacional. Não apenas esta classe de medida, mas também os diversos tipos regulatórios introduzidos como instrumentos em políticas climáticas possuem potencial impacto para o comércio, na medida em que podem afetar o fluxo internacional de bens ou serviços, em sua aplicação às importações ou por sua repercussão sobre elas. Como as políticas climáticas nacionais integram os esforços para a alcançar metas assumidas no âmbito multilateral, podem estar relacionadas a esta regulação. Desta forma, questões de potencial implicação para o comércio constituem fator essencial para a efetividade da regulação climática, em todos os níveis. Assim, a normativa da Organização Mundial do Comércio (OMC), que centraliza e coordena os acordos multilaterais comerciais, toma-se relevante para a questão. A interação entre os regimes de comércio e meio ambiente já há muito motiva reflexões e desperta controvérsias, ao confrontar valores e objetivos não forçosamente ligados. Diante disso, demonstra-se a relevância do exame das perspectivas da lei da OMC para as medidas comerciais em políticas climáticas, tema que anima o presente o estudo. A opção pelo uso do termo \"perspectivas\" justifica-se pela dificuldade em prever parâmetros fechados e bem definidos que possam ser aplicados a estas medidas, uma vez que nenhuma disputa relativa a elas foi ainda levantada perante o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Ademais, acredita-se que a natureza complexa destas medidas, assim como o ampliado potencial de impacto para o comércio, dificulta a identificação plena com as medidas ambientais já apreciadas nas disputas perante o OSC. Frente à grande diversidade de medidas disponíveis aos membros da OMC, optou-se por delimitar a análise a três tipos regulatórios básicos: imposto de carbono, regulamento e subsídio. Além destes, será examinado o sistema de comércio de emissões, também conhecido como cap-and-trade, por ser um tipo de regulação-quadro inédito e típico de políticas climáticas, o qual pode integrar os demais tipos. No trajeto a ser cursado, pretende-se responder às seguintes questões centrais: (i) quais são as principais implicações econômicas e comerciais das políticas de mitigação de emissões; (ii) quais são as principais medidas comerciais instrumentais a essas políticas; (iii) como tem-se desenvolvido o regime multilateral do clima e quais os principais pontos de contato ou atrito com o regime do comércio; (iv) quais as motivações e os meios para a inserção de questões ambientais nas vias institucional e adjudicatória da OMC; (v) como a jurisprudência da OMC tem evoluído na apreciação de questões ambientais e quais conceitos e princípios nela desenvolvidos são relevantes para a conformidade de medidas comerciais em políticas climáticas; (vi) quais desdobramentos dos princípios básicos e dos acordos do sistema multilateral de comércio são relevantes e como podem se aplicar a estas medidas. O capítulo inicial dedica-se a uma breve descrição do problema climático, bem como das principais implicações econômicas e comerciais que suscitam preocupações acerca de competitividade ou que podem possuir impacto para o comércio. Também traça uma comparação entre as características gerais dos regimes e como estas determinam a interação entre eles. O segundo capítulo apresenta os princípios básicos que norteiam a criação e aplicação das normas do sistema multilateral de comércio, bem como as exceções previstas nos acordos da OMC. Aborda também a inserção do meio ambiente na estrutura institucional do sistema, com ênfase aos trabalhos do Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente (CTE) e no mandato ambiental da Rodada Doha. Uma análise mais detida se realiza sobre o tratamento do meio ambiente na jurisprudência da OMC. Esta se divide no exame do papel do asc para a interpretação do artigo XX e na evolução dessa interpretação. O terceiro capítulo descreve os traços principais do regime climático. São apresentados os objetivos, princípios e disciplinas essenciais da UNFCCC e do Protocolo de Kyoto, bem como o status das negociações conduzidas sob seus auspícios. Destaca-se em relação ao último ponto o papel e as posições dos países-chave. No último capítulo, busca-se identificar a relação entre a normativa da OMC e a regulação climática em dois níveis. No primeiro, o foco recai sobre a relação normativa horizontal entre a regulação multilateral do clima e do comércio. Uma vez que esta não foi abordada na jurisprudência, busca-se na doutrina o esclarecimento sobre o papel das regras de acordos ambientais como lei aplicável na OMC, bem como a solução de conflitos entre estas regras
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:teses.usp.br:tde-22042013-094221 |
Date | 18 April 2011 |
Creators | Daniela Helena Oliveira Godoy |
Contributors | Luiz Olavo Baptista, Umberto Celli Junior, Rabih Nasser |
Publisher | Universidade de São Paulo, Direito, USP, BR |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP, instname:Universidade de São Paulo, instacron:USP |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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