O fio condutor desta tese é o caso de uma vala clandestina, oficialmente descoberta, em 1990, no Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo, no qual foram encontrados mais de 1500 sacos plásticos contendo remanescentes mortais humanos, alguns deles identificados como sendo de desaparecidos políticos executados pela ditadura brasileira. A partir desse caso, a tese realiza um duplo movimento: primeiramente, trata-se de mostrar os limites das elaborações de Foucault, Esposito e Agamben para a compreensão da vala clandestina de Perus. Mais fecundas para isso se revelam as teorias do sociólogo camaronês Achille Mbembe sobre a especificidade das relações entre poder e morte nas regiões coloniais, imperiais e neocoloniais, nas quais ele identifica a existência da necropolítica, isto é, de um poder que produz morte e cria condições mortíferas para subordinar populações. Simultaneamente, o segundo movimento que realiza a tese consiste em explorar as contribuições que a análise do caso da vala de Perus, em particular, e dos dispositivos desaparecedores, em geral, oferecem para a complementação das teorias de Mbembe. Com efeito, esses dispositivos, dentre os quais os sepultamentos clandestinos ocupam um lugar importante, resultados, no Brasil, da associação entre diversos mecanismos de desaparecimento na ditadura militar, revelam um aspecto da necropolítica pouco explorado por Mbembe e que chamamos de necrogovernamentalidade. Com esse termo, queremos chamar a atenção para o fato de que a necropolítica, como mostram os dispositivos desaparecedores, não apenas utiliza da maximização das condições mortíferas para governar, como se ocupa, também, dos processos post-mortem, isto é, da administração dos corpos, dos rituais fúnebres, das rotinas burocráticas da morte e da gestão do luto. Assim, explicita-se o nexo entre necropolítica e subjetivação, pois, como novamente revelam os dispositivos desaparecedores, a necrogovernamentalidade, ao distribuir de maneira desigual a possibilidade de prantear publicamente as mortes, induz a generalização de formas de subjetividade melancólicas e, por isso, submetidas à dominação. / This thesiss guiding thread is an illegal common grave officially discovered in 1990, in the Dom Bosco Cemitery, in the neighborhood of Perus, São Paulo. In this grave, more than 1,500 plastic bags were found containing mortal remains, some identified as being political victims of enforced disappearance perpetrated by the Brazilian dictatorship. Taking its cue from this case, this thesis argues for two main points: first, we show the inadequacies of Foucaults, Espositos, and Agambens political theories in dealing with this particular case. Here, the Cameroonian sociologist Achille Mbembes theory are much more fruitful, especially his account of the particularity of the relationship between power and death in the colonial, imperial, and neo-colonial regions. Mbembe identifies in those regions the existence of a necropolitics, that is, a kind of power which produces death and that creates deadly situations in order to subjugate local populations. Nevertheless, Mbembes theories also have their own inadequacies, so the second main point of this thesis is to show how an adequate understanding of the phenomenon surrounding Peruss common grave and, more generally, what we call the disappearance dispositif, can help us to overcome these deficiencies. Indeed, this dispositif, which comprises, as an important part, the illegal burial, can be thought as of resulting from, in the Brazilian case, the association between, and unification of, several disappearance mechanisms by the Brazilian dictatorship. This type of association and unification reveals a necropolitical aspect not explored by Mbembe, namely what we call necrogovernmentality. We coined this term, necrogovernmentality, in order to call attention to the fact that necropolitics, as is uncovered by a careful analysis of the disappearance dispositif, not only maximizes deadly conditions in order to better subjugate, but also manages the post-mortem processesthe management of the bodies, of the burial rites, of the bureaucratic routines of death and mourning. This is important, because we are thus able to uncover a deep connection between necropolitics and subjectivation: the disappearance dispositif and its associated necrogovernmentality distributes in an uneven manner the possibility of public mourning, and hence induces a dissemination of melancholic subjects, subjects that are therefore more easily subjugated.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:teses.usp.br:tde-25022019-112250 |
Date | 24 May 2018 |
Creators | Fábio Luís Ferreira Nobrega Franco |
Contributors | Vladimir Pinheiro Safatle, Marilena de Souza Chaui, James Casas Klausen, Nilton Ken Ota, Adriana de Resende Barreto Vianna |
Publisher | Universidade de São Paulo, Filosofia, USP, BR |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/doctoralThesis |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP, instname:Universidade de São Paulo, instacron:USP |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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