Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Pós-Graduação em Direito / Made available in DSpace on 2012-10-23T15:33:32Z (GMT). No. of bitstreams: 0 / Constituindo um questionamento conceitual ao direito (concebido este em suas várias acepções), as páginas que se seguem não gozarão, aos olhos de muitos leitores, dos elementos que constituem uma discussão propriamente jurídica. Sendo construção histórica, o conceito de direito comporta contingência e, somente se formulado segundo o mais ingênuo idealismo ou a mais refinada ideologia, pode ser (como modernamente o tem sido) restrito a alguma essência como o denominado "direito oficial" ou "direito estatal". Ao assim nos pronunciarmos sobre esse "elefante branco" conhecido como monismo jurídico, imediatamente fazemos crer que nos filiaremos a alguma das posturas que se regozijam sob o rótulo de pluralismo jurídico. Embora não estejamos satisfeitos com nenhuma destas duas posturas, reconhecemos partir da última delas para construir uma interpretação incerta, ansiosa de descobertas, que pretende se formar de um questionamento sobre as possibilidades emancipatórias do jurídico (empregamos este termo, mantendo o termo "direito" em suspenso) insurgente do cotidiano da nossa realidade (brasileira e latino-americana) atual.
A principal ressalva que anunciamos com anterioridade - por franqueza com o leitor - é que o direito não nos interessa (no caso de toda esta argumentação) senão relacionalmente, como um pórtico de onde se parte, sendo nossa principal inquietação relativa às possibilidade de mudar a vida, de transformar o mundo, de emancipar-se, no contexto sócio-histórico atual. O direito (a não ser por esforço de alguns juristas) não goza de qualquer centralidade no mundo atual, não sendo sua especificidade em nada superior àquela da política, da economia, da religião, etc. Daí reconhecermos a insuficiência da postura pluralismo jurídico (e consequentemente de monismo jurídico) para questionarmos as possibilidades de mudar a vida no mundo atual. Além da evocação liberal e eurocêntrica do chamado pluralismo jurídico (não ignoramos suas várias acepções) e da sua pressuposição de um Estado autônomo em torno do qual se formariam juridicidades alternativas, o questionamento sobre as possibilidades emancipatórias não pode obter resposta satisfatória (entenda-se radical, comprometida não apenas com questões epidérmicas, mas empenhada em inquirir a totalidade concreta) se endossar a compartimentalização da praxis segundo a divisão social do trabalho modernamente forjada - ou seja, recolhendo-se a uma esfera chamada "jurídica" apenas.
Buscando uma resposta com raízes conceituais latino-americanas (sem que isso se constitua em qualquer sectarismo), propomos a formulação da questão sobre as possibilidades emancipatórias do cotidiano atual e suas produções/reproduções (dentre elas, o jurídico) segundo os lineamentos da a-sistemática e metafilosófica Antropofagia, esboçada - e sem fechos, com feições de movimento - por Oswald de Andrade (1890-1954) e seu grupo há cerca de oitenta anos. Arquitetamos, então, nossa argumentação como um rio em luta com suas três margens (margem-voragem/ margem-passagem/ e margem-miragem), sendo que a terceira margem (diversa de qualquer posição que se ponha no centro) constitui a própria abertura - nascida da deglutição da critica da vida cotidiana formulada da leitura de Karl Marx (1818-1883) que fez o pensador francês Henri Lefebvre (1901-1991) na segunda metade do século XX - para o possível, para a utopia, para o futuro já inscrito como dilaceração no presente.
Antropofagicamente: o direito não pode ser emancipatório porque a emancipação não pode ser política, jurídica ou econômica apenas, tem de ser o entrelaçamento de todos esses elementos. A realidade latino-americana (especialmente a brasileira), marcada pelo fato de que a maioria das suas populações habita as cidades e sobrevive, em muitos casos, em condições de miséria - decorrência principal da não-realização da distribuição das terras rurais -, estabelecendo precárias formas de trabalho informais (das quais o narcotráfico é a expressão cada vez mais comum) e apenas percebendo o Estado como manifestação de repressão policial e/ou escasso assistencialismo, produz um contexto dificilmente concebível sociologicamente como situação de pluralismo jurídico. As apropriações mútuas entre grupos sociais e aparatos ditos oficiais configuram uma situação não suscetível de ser compreendida segundo modelos importados; tratar-se-ia de uma racionalidade ditirâmbica (um quase-transe dada a importância conferida aos elementos mi[s]ticos), a que podemos designar por racionalidade sonâmbula (e, consequentemente, um direito sonâmbulo), cujas possibilidades emancipatórias são equivalentes às possibilidades de superação da vida cotidiana atual.
As a matter of conceptual argumentation to law (in its several senses), the following pages may lack, in the eyes of many readers, of elements that would indeed establish a juridical discussion. As a historical process, the concept of law comprises contingency, and only if uttered according to the most naïve idealism or the most refined ideology, it could be - like it has been in the modern times - restricted to an essence like the entitled "official law" or "state law". With such a particular argument on this "white elephant" known as juridical monism, one would immediately presume that we take part in any of the other postures under the label of juridical pluralism. Even though we are not satisfied with any of these two postures, we recognize starting from the latter in order to develop an uncertain interpretation, eager of discoveries, which intends to be made from an argumentation about the emancipatory possibilities of jurisprudence (here we employ this term, keeping the word "law" in suspense) that arises everyday in our present reality (Brazilian and Latin American).
The main observation regarding this whole discussion is that law has only a secondary interest to us, as a portal from where we begin, with a grand restlessness concerning the possibility of changing life, of transforming the world, of emancipating in the present socio-historical context. Law (except perhaps for the effort of a few jurists) does not bring along any centricity in the world today, and its specificity is by no means superior to those in politics, economy, religion etc. Therefore we consider juridical pluralism (and further juridical monism) to be inadequate postures, when the whole argumentation is about the possibility of changing the present life. Because of the liberal and Eurocentric reminiscence in juridical pluralism (we are not at all ignoring its several meanings) and its assumption of an autonomic State in which alternative juridical methods would take shape, an inquiry on emancipatory possibilities cannot meet a satisfactory answer (or a radical one, not only engaged with superficial issues, but also with a view to discuss the concrete plenitude of it) if we uphold the method of arranging praxis in conformity to the social division of work modernly contrived - that is restricted only to a "juridical" matter.
In order to unfold an explanation based on Latin American conceptual roots (without that being a sign of sectarianism whatsoever), we propose to develop an argumentation about the emancipatory possibilities and its results/replications (among them, those of juridical matter), according to the study of the unsystematic and metaphilosophical Manifesto Antropófago (Cannibal Manifesto), outlined - and open, in the manner of a movement - by Oswald de Andrade (1890-1954) and his group, approximately eighty years ago. Thus we scheme our argumentation like a river in battle with its three shores (shore-vortex/ shore-passage/ and shore-mirage), the third shore (different from any position of centricity) being composed by its very own opening path - rising from The Critique of Everyday Life, which is based on the work of Karl Marx (1818-1883), written by French philosopher Henri Lefebvre (1901-1991) in the latter half of the 20th century - to the possible, to utopia, to the future that is already written as a disruption at the present.
According to the ideas of the Manifesto Antropófago, Law cannot be emancipatory because its emancipation cannot be merely political, juridical or economical, instead it must be the gathering of all these elements. The Latin American reality (especially the Brazilian), considering that most of its population lives in cities and, in many cases, under conditions of extreme poverty - mainly caused by the non-distribution of rural lands -, and setting up to informal and uncertain means of working (of which drug traffic becomes more and more evident) and yet only seeing the State through its demonstrations of police repression and/or deficient social welfare work, brings forth a context that is hardly sociologically acceptable as a posture of juridical pluralism. The reciprocal appropriation amidst social groups and so called official displays cannot be conceived through imported models; as it would be considered a dithyrambic rationality (almost a trance, due to the importance given to mythical/mystical principles), which we can call somnambulistic rationality (and consequently a somnambulistic law), whose emancipatory possibilities are equivalent to the overcoming possibilities of the present everyday life.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:repositorio.ufsc.br:123456789/90812 |
Date | January 2007 |
Creators | Fonseca, Hermes da |
Contributors | Universidade Federal de Santa Catarina, Wolkmer, Antônio Carlos |
Publisher | Florianópolis, SC |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis |
Source | reponame:Repositório Institucional da UFSC, instname:Universidade Federal de Santa Catarina, instacron:UFSC |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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