Este trabalho teve como objetivo analisar a construção de uma representação cultural sobre a incompetência feminina para gestar e parir por meio da análise das trajetórias assistenciais de mulheres atendidas no subsetor suplementar de atenção à saúde de Porto Alegre, RS. Procurou-se problematizar o contexto social e cultural da vivência da gestação e do parto das mulheres atendidas por planos ou seguros saúde, compreendendo a gestação e o nascimento como processos culturais e inseridos na contemporaneidade. Para tanto foi realizado um estudo etnográfico de abril a novembro de 2014 na cidade de Porto Alegre, RS, com a participação de oito mulheres gestantes, atendidas por planos de saúde e que estavam com mais de 32 semanas de gestação. Os dados foram produzidos por meio de observação participante, anotações em diário de campo e entrevistas semi estruturadas, as quais foram gravadas e transcritas na íntegra. O processo analítico foi orientado pela antropologia interpretativa, tendo como base o referencial teórico sobre Cultura de Clifford Geertz. Foi possível apreender as trajetórias assistenciais das mulheres acompanhadas, desenhando caminhos de modulação e resistência. Apreendeu-se visões complexas e subjetivas sobre a gestação e o parto, sempre compreendidas em meio a cultura em que as mulheres viviam e experencivam estes processos. As redes sociais apresentam-se como elementos moduladores sobre os ideais de maternidade e escolhas do parto. A gestação é compreendida por um olhar medicalizado, orientando à ideia de que a mulher não deve envolver-se com a gravidez e o parto, visto ser estes de domínio da medicina. Crenças e rituais fortalecem tais ideais, servindo como modelos culturais para a futura mulher-mãe. O momento do nascimento é envolto pelo discurso do medo e do risco, reforçando a necessidade do saber médico e a incompetência feminina para viver o parto. Durante o puerpério a mulher vivencia o processo de “tornar-se mulher-mãe”, questionando sobre seus ideais de maternidade e vivendo uma ambivalência de sentimentos, o que a fragiliza, tornando-a sensível à opiniões, intromissões e modulações culturais e sociais. Por fim, identificam-se trajetórias de atenção marcadas pela violência física e emocional no subsetor suplementar, levantando questionamentos sobre a qualidade da assistência ofertada às suas usuárias. A partir disso tudo, fica a compreensão que as mulheres, moduladas por saberes biomédicos caminham por trajetórias semelhantes na saúde suplementar, por caminhos que desapropriam-nas de seu corpo e de suas escolhas, experenciando momentos de desrespeito e violência. No entanto, ainda existem movimentos de resistência, trajetórias de fuga, as quais possibilitam, não sem sofrimento, a vivência de gestar e parir que elas desejam. É preciso urgentemente atentar para como está ocorrendo a atenção obstétrica no subsetor suplementar, para além dos percentuais de cesariana, os quais são apenas o desfecho esperado de uma gestação modulada, invadida e culturalmente medicalizada. / This study aimed to analyze the construction of a cultural representation of women's inability to gestate and give birth through the analysis of care trajectories of women assisted by the supplemental subsector of healthcare in Porto Alegre, RS. It sought to question the social and cultural context of the experience of pregnancy and delivery of women attended by health plans or insurances, including pregnancy and birth as cultural processes, inserted in contemporary times. For that purpose, an ethnographic study was performed from April to November 2014 in the city of Porto Alegre, RS, with the participation of eight pregnant women, attended by health plans and who were with more than 32 weeks of pregnancy. Data were produced through participant observation, field diary notes and semi-structured interviews, which were recorded and fully transcribed. The analytical process was guided by the interpretive anthropology, based on the theoretical framework of Clifford Geertz on culture. It was possible to capture the healthcare trajectories of the women, drawing modulation and resistance paths. Also, complex and subjective views about pregnancy and delivery were internalized, and they were always understood in the midst of the culture in which women lived and experienced such processes. Social networks are presented as modulator elements on the ideals of motherhood and childbirth choices. Pregnancy is comprised of a medicalized look, guiding to the idea that women should not be involved with pregnancy and childbirth, given they’re both of medicine domain. Beliefs and rituals strengthen these ideals, serving as cultural models for the future mother-woman. The moment of birth is surrounded by the discourse of fear and risk, stressing the need for medical knowledge and women's inability for living the parturition. During puerperium women go through the process of "becoming a mother-woman", questioning their ideals of motherhood and living an ambivalence of feelings, which weakens themselves, making them sensitive to opinions, intrusions and cultural and social modulations. Finally, care trajectories marked by physical and emotional violence are identified in the supplemental subsector, raising questions about the quality of assistance given to its users. From all this is the understanding that women, modulated by biomedical knowledge go through similar paths in the supplemental health, by ways that evict them from their bodies and their choices, experiencing moments of disrespect and violence. However, there still are movements of resistance, escape paths, which enable, not without suffering, the experience of gestating and giving birth that they want. It is urgent to pay attention to how the obstetric care in the supplemental subsector is happening, beyond Cesarean percentage, which is only the outcome expected from a modulated pregnancy, invaded and culturally medicalized. / Este trabajo tuvo como objetivo analizar la construcción de una representación cultural sobre la incompetencia femenina para gestar y parir por medio del análisis de las trayectorias asistenciales de mujeres atendidas en el subsector suplementar de atención a la salud de Porto Alegre, RS. Se buscó problematizar el contexto social y cultural de vivencia de la gestación y del parto de las mujeres atendidas por planes o seguros salud, comprendiendo la gestación y el nacimiento como procesos culturales e inseridos en la contemporaneidad. Para tanto, fue realizado un estudio etnográfico de abril a noviembre de 2014 en la ciudad de Porto Alegre, RS, con la participación de ocho mujeres embarazadas, atendidas por planes de salud y que estaban con más de 32 semanas de gestación. Los datos fueron producidos por medio de observación participante, anotaciones en diario de campo y entrevistas semi estructuradas, las cuales fueron grabadas y transcriptas a la íntegra. El proceso analítico fue orientado por la antropología interpretativa, teniendo como base el referencial teórico sobre Cultura de Clifford Geertz. Fue posible comprender las trayectorias asistenciales de las mujeres acompañadas, dibujando caminos de modulación y resistencia. Fueron tomadas visiones complejas y subjetivas sobre la gestación y el parto, siempre comprendidas en el medio a la cultura en que las mujeres vivían y experienciaban estos procesos. Las redes sociales se presentan como elementos moduladores sobre los ideales de maternidad y elección del parto. La gestación es comprendida por una mirada medicalizada, orientada a la idea de que la mujer no debe preocuparse con el embarazo y el parto, vistoéstos de dominio de la medicina. Creencias y rituales fortalecen tales ideales, sirviendo como modelos culturales para la futura mujer-madre. El momento del nacimiento es tomado por el discurso del miedo y del riesgo, reforzando la necesidad del saber médico yla incompetencia femenina para vivir el parto. Durante el puerperio la mujer experimenta el proceso de “convertirse mujer-madre”, cuestionando sobre sus ideales de maternidad y viviendo una ambivalencia de sentimientos, lo que la fragiliza, la convirtiendo sensible a opiniones, intromisiones y modulaciones culturales y sociales. Por fin, se identifican trayectorias de atención marcadas por la violencia física y emocional en el subsector suplementar, levantando cuestionamientos sobre la cualidad de la asistencia ofertada a sus usuarias. Con eso, quedala comprensión de que las mujeres, moduladas por saberes biomédicos, caminan por trayectorias semejantes en la salud suplementar, por caminos que las desapropian de su cuerpo y de sus elecciones, experienciando momentos de falta de respeto y violencia. Sin embargo, todavía existen movimientos de resistencia, trayectorias de fuga, las cuales posibilitan, no sin sufrimiento, la vivencia de gestar y parir que ellas desean. Es necesario urgentemente atentar para cómo está ocurriendo la atención obstétrica en el subsector suplementar, para más allá de los porcentuales de cesariana, los cuales son apenas el desfecho esperado de una gestación modulada, invadida y culturalmente medicalizada.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:lume56.ufrgs.br:10183/129507 |
Date | January 2015 |
Creators | Veleda, Aline Alves |
Contributors | Gerhardt, Tatiana Engel |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Spanish |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/doctoralThesis |
Format | application/pdf |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS, instname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instacron:UFRGS |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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