Introdução: Os problemas advindos dos transtornos por uso de substâncias (TUS) apresentam alta prevalência tanto em nível mundial quanto no Brasil e se destacam por atingirem principalmente adolescentes e adultos jovens, ocasionando alto impacto econômico e social. Os fatores de risco que levam ao início e à evolução de tais transtornos são investigados há várias décadas, mas o que já foi demonstrado explica apenas parcialmente a variabilidade dessa patologia. A impulsividade tem se destacado por estar associada a diversos fatores de risco como transtorno de personalidade anti-social, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) entre outros, podendo ser o elo que liga essas patologias ao TUS. Embora a impulsividade tenha sido associada a transtornos relacionados ao álcool e outras drogas em diversos estudos, há uma carência de evidências em amostras comunitárias, particularmente em adolescentes. A literatura identifica também a associação da idade do primeiro consumo de álcool (IPCA) com TUS. Contudo, ainda há controvérsias a respeito da IPCA ser um fator de risco independente ou uma manifestação de outras características e transtornos associados à TUS. Além disso, as evidências da associação IPCA/TUS são na sua maioria provenientes de estudos norte-americanos; considerando-se que a IPCA pode ser afetada por características culturais, esses achados necessitam ser reproduzidos em outros países. No que compete à avaliação da impulsividade, esta tem sido aferida principalmente por medidas laboratoriais de comportamento e escalas de auto-relato; entretanto, nenhuma das escalas disponíveis foi validada para o uso no Brasil, dificultando estudos nessa área. Objetivos: Os objetivos dessa dissertação são: adaptar para o português e validar para uso em adolescentes uma escala adequada para aferir impulsividade, avaliar a associação entre impulsividade, IPCA e TUS em adolescentes masculinos e se associação da IPCA com TUS é independente da impulsividade. Método: Foram realizados dois estudos em seqüência. O primeiro estudo descreve a adaptação e validação da Barrat Impulsiveness Scale (BIS) 11, que foi traduzida de forma independente por duas psiquiatras, unificada em uma versão final e testada em 10 indivíduos de idade e escolaridade heterogêneas. A versão final foi retro-traduzida para o inglês e enviada ao autor da escala que a aprovou para testes de campo. Dezoito estudantes de medicina bilíngües responderam à versão em inglês e em duas semanas à versão em português para a análise do coeficiente de correlação intra-classe (CCI). A consistência interna (utilizando a de Crombach) foi avaliada em uma amostra comunitária de 464 adolescentes masculinos de 15 a 20 anos provenientes de uma região geograficamente delimitada de Canoas. Para aferição da validade de constructo foi utilizada uma sub-amostra de 126 adolescentes e foi baseada nas correlações do escore total da BIS 11 com os escores da SNAP-IV para TDAH e para transtorno de oposição e desafio (TOD) e com o número de sintomas de transtorno de conduta (TC). Para o segundo estudo foi utilizado um delineamento de caso-controle aninhado a um estudo transversal que utilizou a mesma amostra de 464 adolescentes descrita no primeiro estudo, tendo sido excluídos os adolescentes que nunca haviam utilizado álcool, totalizando uma amostra final de 418 adolescentes. Os casos foram identificados através da seção de álcool e drogas do Mini International Neuropsychiatric Interview como tendo abuso ou dependência de álcool, maconha, cocaína ou inalantes (n=63) e os controles (n= 355) eram aqueles que não preenchiam critérios para TUS e que já haviam utilizado álcool. As outras medidas utilizadas foram a BIS 11 e um questionário de avaliação sócio-demográfica. Para a análise estatística foram estimadas Razões de Chances (RC) brutas e ajustadas com intervalo de confiança de 95% através de regressão logística com um modelo hierárquico, tendo o diagnóstico de TUS como variável dependente e variáveis sócio-demográficas (nível um), impulsividade (nível dois), idade, número de repetências, ter pais separados e ser religioso (nível três) e idade do primeiro consumo de álcool (nível quatro) como variáveis independentes. Resultados: no primeiro estudo, o CCI obtido nos estudantes de medicina foi de 0,90. Nos adolescentes masculinos, a consistência interna foi de 0,62 para os 30 itens. A análise fatorial exploratória não identificou os 3 fatores da escala original. Os escores totais da BIS 11 apresentaram correlação significativa com os escores para TDHA, TOD e com número de sintomas para TC, indicando uma apropriada validade de constructo da escala. No segundo estudo, os adolescentes era predominantemente brancos, com média de idade de 17,4±1,7 anos, níveis elevados de repetência escolar e baixa renda familiar. Impulsividade e idade do primeiro consumo de álcool foram significativamente associadas com abuso de substâncias. Tanto maior impulsividade (RC 3,3, IC 95% 1,4-7,8) quanto maior idade do primeiro consumo de álcool (RC 0,8, IC 95% 0,7-0,9) permaneceram independentemente associados com abuso de substâncias após os ajustes do modelo. Conclusão: O estudo de validação da BIS 11 identificou um alto CCI da escala, apontando para a semelhança de medidas das versões em inglês e português em sujeitos de alta escolaridade. A consistência interna com um a de 0,62 na amostra de adolescentes foi um pouco abaixo do esperado, mas pode ser considerada aceitável, levando-se em consideração as características da amostra. Além disso, mesmo com uma consistência interna abaixo do ideal, a validade de constructo pôde ser detectada, sugerindo que a escala pode ser utilizada em adolescentes masculinos, embora sem os sub-escores. No estudo de casocontrole, os achados indicam a forte associação entre impulsividade, IPCA e transtornos aditivos, ilustrando esses aspectos em adolescentes masculinos e acrescentando validade transcultural aos achados já descritos na literatura. A temporalidade e as relações de causa-efeito dos resultados necessitam ser confirmados em estudos longitudinais. Entretanto, em conjunto com as evidências já existentes na literatura sobre o papel da impulsividade e da IPCA nos TUS, os achados sugerem que tais aspectos possam ser incorporados na elaboração de medidas preventivas ao uso de substâncias psicoativas entre os jovens. / Background: the problems that arise from substance use disorders (SUD) present a high prevalence either in Brazil or around the world, and are extremely important because they affect adolescents and young adults, generating a strong socio-economical impact. Risk factors that lead to the beginning and evolution of such disorders have been investigated for many years, but what has been explained only partially enlightens the variability of these pathologies. Impulsivity stands out due to its association to various risk factors, such as personality disorders, attention deficit and hyperactivity among others, and it might be the link between these pathologies and SUD. Although impulsivity has been associated to disorders related to alcohol and other drugs, in many studies, there is a lack of evidence based on community samples, mainly in adolescents. Literature also identifies the association of the age of first drink (AFD) with SUD. However, there are still controversies on whether AFD is an independent risk factor or a manifestation of other characteristics and disorders associated with SUD. Besides, evidence of the association SUD/AFD come mostly from North American studies, and considering the fact that AFD can be affected because of the cultural aspect, it is necessary to reproduce these findings in other countries. With regard to the assessment of impulsivity, it has being ascertained through laboratorial behavioral measures and self report scales; however none of these scales has been validated to be used in Brazil, which generates difficulties for studies in this context. Objectives: the objectives of this dissertation are to adapt to Brazilian Portuguese and validate to adolescent use an appropriate scale to measure impulsivity, to evaluate the association between impulsivity, AFD and SUD in male adolescents, as well as to evaluate whether AFD is associated with SUD after controlling to impulsivity. Method: two consecutive studies have been conducted. The first study describes the adaptation and validation of the Barrat Impulsiveness Scale (BIS) 11, which was translated independently by two psychiatrists, unified in a final version and tested in 10 subjects of matched age and sex. The final version was back-translated into English and sent to its author, who approved it for field testing. Eighteen bilingual undergraduated medical students answered the English version and two weeks later, the Portuguese version, in order to analyze the intraclass correlation coefficient (ICC). Internal consistency (using Crombach’s µ) and construct validity were analyzed in a community sample of 464 male adolescents between 15 and 20 years old, who came from a well delimitated geographical area in the city of Canoas. Construct validity was based on the correlation between the BIS 11 and the SNAP IV scores and Conduct Disorder symptoms. SNAP-IV evaluates Attention Deficit/Hyperactive Disorders (ADHD) and Oppositional Defiant Disorder (ODD). CD symptoms were based on DSM-IV criteria. For the second study we used a case-control design nested inside a cross-sectional study that used the same adolescent sample described in the first study, excluding adolescents who reported no use of alcohol, giving a final sample of 418 subjects. Cases were identified through the alcohol and drug section of the Mini International Neuropsychiatric Interview as having inhalant, cocaine, marijuana or alcohol dependence or abuse (n=63), and the 355 controls were those who did not reach criteria for SUD. Other measures used were the BIS 11 and a socio-demographic questionnaire. For the statistical analysis, the crude Odds Ratio (OR) was estimated and adjusted for a confidence interval of 95% through a hierarchical model of logistic regression, having SUD diagnosis as the dependent variable and socio-demographic variables (level one), impulsivity (level two), age, number of school failures, having separated parents and being religious (level three) and age of first drink (level four) as independent variables. Results In the first study the ICC reported from the medical students was of 0.90. Among the male adolescents the internal consistency was of 0.62 for the 30 items. Factorial analysis did not identify the three factors of the original scale. Impulsivity scores of the BIS 11 were correlated with ADHD and ODD scores, as well as with numbers of symptoms for CD, suggesting an appropriate construct validity of the scale. In the second study adolescent were mainly white, with a mean age of 17,4±1,7, high levels of school failure and low family income. Impulsivity and age of first drink were significantly and independently associated with substance use disorders. Both higher impulsivity (OR 3.3, 95% CI 1.4-7.8) and higher age of first drink (OR 0.8, 95% CI 0.7-0.9) remained independently associated with substance use disorder after model adjustments. Conclusion The BIS 11 validation study identified a high ICC for the scale, suggesting similarity on measures between English and Portuguese versions among subjects with high levels of schooling. The internal consistency of a=0,62 on the adolescent sample was a little lower than expected, but it can be considered acceptable, taking into account the characteristics of this sample. Besides that, even with an internal consistency below the expected, the validation of the construct could be detected, suggesting that the scale can be used in male adolescents though without its sub-scores. In the case-control study, findings indicate a strong association between impulsivity, AFD and addictive disorders, highlighting these aspects in male adolescents and adding transcultural validity to the findings already described in the literature. Temporality, as well as the cause-effect relations of the results needs to be confirmed in longitudinal studies. However, with the existing evidence in the literature concerning the role of impulsivity and AFD on the SUDs, findings suggest that such aspects should be incorporated in the planning of preventive measures to be used with youngster with regard to psychoactive substances.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:lume56.ufrgs.br:10183/10073 |
Date | January 2006 |
Creators | Diemen, Lisia von |
Contributors | Pechansky, Flavio |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis |
Format | application/pdf |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS, instname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instacron:UFRGS |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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