Nos últimos anos, temos nos deparado com a difusão maciça e a popularização crescente de descrições biológicas para aspectos outrora pensados como mentais, sociais, ou
relacionais. Visível em diversas arenas leigas e científicas, esta tendência freqüentemente elege o cérebro como o órgão privilegiado da sua atenção. A cada semana é divulgada uma
nova localização cerebral correlacionada os mais variados aspectos comportamentais e ou de personalidade. Acompanhando este movimento, é notável o esforço intelectual e financeiro despendido nos últimos anos no campo da saúde mental, no sentido de fazer avançar pesquisas cujo foco central é a descoberta das bases neurobiológicas dos transtornos mentais. Esta tendência apontaria na direção de uma fusão entre a psiquiatria e a neurologia em uma disciplina única, de teor fisicalista, chamada por alguns de cerebrologia. Dentre os acontecimentos que serviram de alicerce para a legitimação e a popularização desta tendência, o desenvolvimento nas últimas décadas de novas técnicas e tecnologias de visualização médica, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) e a ressonância magnética
funcional (fMRI), foi fundamental. Elas permitiram a construção de imagens das mais diversas categorias nosográficas construídas no campo psiquiátrico, veiculando tacitamente uma série de pressupostos e promessas. Malgrado o imaginário cultural sustentado por estas tecnologias e todo o esforço despendido nas últimas décadas no sentido de se tentar localizar os marcadores biológicos dos transtornos psiquiátricos, não há, até o presente momento, nenhum resultado conclusivo que autorize o diagnóstico por imagem de nosografias como a esquizofrenia, a depressão, e muito menos o jogo patológico. Apesar de todo o alarde midiático e dos montantes milionários direcionados para pesquisas nesta área, os resultados concretos obtidos até agora não estão livres das mais ferozes controvérsias. Entretanto, ainda que estejamos muito longe da construção de mapas precisos para as perturbações mentais é espantoso o poder de convencimento que as neuro-imagens comportam na atualidade. Os scans são exibidos como verdades visuais, ou fatos acerca das pessoas e do mundo, numa proporção muito superior aos dados que apresentam. Alguns críticos chamam este aspecto de neurorealismo, ou de retórica da auto-evidência. A intenção deste trabalho é problematizar o poder persuasivo que as neuro-imagens detém na contemporaneidade, especialmente quando utilizadas com a finalidade diagnóstica no campo da saúde mental. Se estas imagens transmitem uma ideia de neutralidade, transparência imediata e auto-evidência, este trabalho almeja inseri-las num contexto sócio-histórico, a partir do qual puderam adquirir sentido, familiaridade e valor de verdade. O ponto de partida é o de que elas estão localizadas no cruzamento de dois movimentos históricos distintos: o das ilustrações médicas, em sua relação com a produção de conhecimento objetivo; e o das pesquisas acerca da localização no córtex cerebral de comportamentos complexos e traços de personalidade. Além de estabelecer algumas condições históricas de possibilidade para a emergência de um neo-localizacionismo cerebral, mediado pelas novas tecnologias de imageamento, pretende-se enfatizar algumas descontinuidades com projetos anteriores e marcar a influência do contexto cultural da atualidade para o sucesso e poder persuasivo deste tipo de tecnologia. / Lately, we have seen the popularization and massive difusion of biological descriptions to aspects that we used to consider as social or mentaly based. Notable in scientific and lay environments, this tendency frequently chooses the brain as the privileged organ of its attention. Every week, a new cerebral locality, related to behavioral and personality traces, is publicized. Along with this movement, it is remarkable the intellectual and financial efforts undertaken in the last years in the domaine of mental health, to advance the researchs that aim to discover the neurobiological basis of the mental disorders. This tendency points to the fusion between psychiatry and neurology in only one discipline, phisicalistically based, sometimes called brainology. One of the most important events that served as a base to the legitimation and the popularization of this trend was the development, in the last decades, of the new medical imaging techniques and technologies, like the Positron Emission Tomography (PET scan) and the Functional Magnetical Ressonance Imaging (fMRI). These technologies allowed the image construction of almost every nosografic category made up in the psychiatric domaine, transmitting implicitly many assumptions and promises. Notwithstanding the cultural imaginary sustaned by these technologies and the efforts undertaken to localize the biological markers of psychiatric disorders, there isnt, until the
present time, any conclusive result that entitle the imaging diagnostic of nosographies like schizophrenia, depression, and the pathogical gambling. In spite of the mediatic attention and the milionaires amounts destined to researchs in this field, the concret results obtained until now arent free from tough controversies. However, even considering we are very far from the construction of accurate maps for the mental disfunctions, its incredible the power of conviction that neuroimages have nowadays. The scans are exhibited as visuable truths, or facts concerning the people and the world, in a proportion much superior to the data they present. Some critics call such an aspect neurorealism, or rhetoric of auto-evidence. The aim
of this work is to question the persuasive power acquired by the neuroimages nowadays, especially when addopted to diagnostic aims in the field of mental health. If these images pass the idea of neutrality, immediate transparence and auto-evidence, this work intends to include them in a social-historical context, through wich they have obtained meaning, familiarity, and the status of truth. The point of depart is their localization in the crossing of two different historical movements: that of the medical illustrations, in its relation to the production of objective knowledge; and that of the researches about the localization, in the brain cortex, of complex behaviours and personality traits. Besides the establishment of some historical conditions of possibylity to the emergence of a cerebral neo-localizationism, this work pretends to stress some diferences in relation to preceding localizationist projects, and to emphasize the influence of the contemporary cultural context to the success e persuasive
power of this kind of technologie.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/urn:repox.ist.utl.pt:BDTD_UERJ:oai:www.bdtd.uerj.br:4418 |
Date | 02 March 2007 |
Creators | Camilo Barbosa Venturi |
Contributors | Francisco Javier Guerrero Ortega, Jurandir Sebastião Freire Costa, Benilton Carlos Bezerra Júnior, Flávio Coelho Edler |
Publisher | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UERJ, BR |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis |
Format | application/pdf |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UERJ, instname:Universidade do Estado do Rio de Janeiro, instacron:UERJ |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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