Os discursos sobre o trabalho em O Retrato de Érico Veríssimo

A presente dissertação analisa as construções discursivas sobre o trabalho e o trabalhador (a) no romance O Retrato (2003), de Érico Veríssimo, em uma perspectiva multidisciplinar. Os discursos sobre trabalho em O Retrato são elementos de um painel histórico a partir do qual o autor elabora uma leitura crítica da sociedade de seu tempo. Demonstrar esse processo constitui o objetivo da presente pesquisa. Os discursos são tomados como elaboração do artista em um contexto sócio-histórico determinado, para o qual concorrem múltiplas vozes, introduzidas na obra por meio das falas do narrador, dos personagens, dos gêneros intercalados, conforme preconiza Bakhtin (1988). Neste estudo, tais discursos são analisados a partir de uma concepção de trabalho enquanto atividade do ser humano em sua relação com o meio, fundamental no processo de constituição do ser social, ou seja, em seu sentido ontológico. No contexto do romance, essa compreensão passa pelas interações históricas das relações entre trabalho livre/trabalho escravo; do processo de percepção, por parte do homem do campo, da separação entre trabalho e propriedade da terra; da singular combinação, no Rio Grande do Sul, de elementos humanos diversos na formação de uma ―cultura do trabalho‖ e a ausência de uma tradição de trabalho ligada às guildas e hansas, como na Europa pré-capitalista. As diferenças de condição social, o elemento telúrico, o papel da família extensa como unidade sócioprodutiva e as relações características de uma sociedade alicerçada nos ditames do favor são aspectos contidos nos discursos acerca do trabalho que compõem a crítica social de Érico Veríssimo no romance. Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, sendo também aplicada a análise quantitativa no tratamento de dados extraídos dos números fornecidos por Chaves (1979) e Carpeaux (1979), a fim de situar a obra no contexto da produção literária do autor. É preciso considerar que o romance foi publicado no auge da carreira de Érico Veríssimo como segundo tomo de uma trilogia cuja parte inicial fora um grande sucesso de público e de crítica, gerando expectativas que não foram correspondidas: um dos romances do autor menos conhecidos pelo grande público, O Retrato tem papel fundamental
no conjunto de O Tempo E O Vento, pois em suas páginas Érico configura o ambiente de degradação dos valores representativos do povo do Rio Grande e que constitui a grande crítica do conjunto da obra. Os discursos sobre trabalho no romance alinham-se com esse grande projeto, conforme procuramos demonstrar, seja na diferença de perspectiva ao considerar o trabalho como uma missão recebida como legado, ou como o fardo do dever; seja pela valorização dos ideais do ser humano telúrico em contraste com os valores da sociedade burguesa capitalista que se está configurando; pela permanência das relações de favor centradas no personagem Rodrigo Cambará, mecanismo que preserva o jogo da cena sóciopolítica, apesar das mudanças que se verificam no campo econômico-produtivo; ou pela própria trajetória desse personagem, que vai se degenerando em seu valores e ideais. / This dissertation analyzes the discursive constructions on work in the novel O Retrato (―The Portrait‖) (2003), by Erico Verissimo, from a multidisciplinary perspective. Discourses on work in O Retrato are elements of a historical panel from which the author does a critical reading of the society of his time. The aim of this research is to present this process. The discourses are taken as the artist‘s own formulation in a certain socio-historical context, to which multiple voices concur and were introduced in the novel through the speeches of the narrator, the characters, the intertwined genres as advocated by Bakhtin (1988). In this study, these discourses are analyzed from a concept of work as a human activity in connection to the environment, which is fundamental in the process of constitution of the social being, that is, in its ontological meaning. In the novel‘s context, this understanding is related to the historical interactions of the relations between free work/slave work; of the perception process, by the rural man, of the separation between work and land property; of the unique combination, in Rio Grande do Sul, of diverse human elements in the constitution of a ―work culture‖ and the absence of a work tradition related to the guilds and hanses, such as in the pre-capitalist Europe. The social differences, the telluric element, the role of the extensive family as a socio-productive unit and the relations that were characteristics of a society rooted in the rule of the favor are aspects present in the discourses around work that compose the Érico Veríssimo‘s criticism in the novel. As to the methodological procedures, it is a bibliographical research, in which the quantitative analysis is applied to the treatment of data extracted from the numbers provided by Chaves (1979) and Carpeaux (1979), with the aim to locate the work in the author‘s literary production context. We must consider that the novel was published at the top of Érico Veríssimo‘s career as the second book of a trilogy of which the initial part was a great success with the public and the critics, generating expectations that were eventually not met: one of the author‘s less popular novels, O Retrato had a fundamental role in the set formed by O Tempo E O Vento (―Time and the Wind‖) as in its pages Érico portrays an environment of degradation of those values that were representative of the people of Rio Grande and that constitutes the great criticism of his work. The discourses on work in the novel are aligned with this great project, as we sought to show here, either in the difference of perspective when considering the work as a mission received as a legacy versus the burden of duty, either through the valuation of the ideals of the telluric being in contrast with the values of the emerging bourgeois capitalist society, through the permanence of favor relations centered around the character Rodrigo Cambará, which is a mechanism that preserves the game of the socio-political scene, despite the changes taking place in the economic-productive field; or by this character‘s trajectory, whose values and ideals degenerate.

Identiferoai:union.ndltd.org:IBICT/urn:repox.ist.utl.pt:RI_UTFPR:oai:repositorio.utfpr.edu.br:1/823
Date20 February 2014
CreatorsBruneti, Marcio
ContributorsFanini, Angela Maria Rubel
PublisherUniversidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Programa de Pós-Graduação em Tecnologia
Source SetsIBICT Brazilian ETDs
LanguagePortuguese
Detected LanguageEnglish
Typeinfo:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis
Sourcereponame:Repositório Institucional da UTFPR, instname:Universidade Tecnológica Federal do Paraná, instacron:UTFPR
Rightsinfo:eu-repo/semantics/openAccess

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