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[pt] O PARAÍSO VISTO DO NORTE: RAÇA E DIREITO NAS COMPARAÇÕES ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS (1833-1947) / [en] PARADISE AS SEEN FROM THE NORTH: RACE, LAW AND COMPARISONS BETWEEN BRAZIL AND UNITED STATES (1833-1947)BRUNA PORTELLA DE NOVAES 16 May 2023 (has links)
[pt] Quadros comparativos entre as relações raciais no Brasil e nos Estados
Unidos abundam no campo dos estudos raciais e da história comparada. Mas a
prática de comparar essas duas sociedades transborda o meio estritamente
acadêmico. Elaborar uma visão sobre o local a partir de comparações com outras
porções do mundo é uma prática comum à circulação atlântica de sujeitos e ideias.
Assim, é possível encontrar discursos que sistematicamente opõem Brasil e Estados
Unidos desde o século XIX, cujas autorias são bastante diversas. Esta tese busca
mergulhar nesse universo comparativo a partir de um fio condutor específico: as
visões norte-americanas de um paraíso racial brasileiro. O paraíso racial consiste na
miragem de uma idílica sociedade com duas grandes características: um sistema
escravista mais suave e a ausência de barreiras raciais legais. Perseguir a história
dos coautores do paraíso racial significa, portanto, adentrar a longa história da
democracia racial, que remonta a dinâmicas que antecedem a sua nomeação e
posterior denúncia como mito. A partir da revisão bibliográfica e do acesso a fontes
primárias – como imprensa, cartas e discursos – foram identificados e analisados
sujeitos históricos produtores dessa visão do Eldorado brasileiro. Esses
interlocutores da tese estão dispostos em quatro grandes tempos, entre 1833 e 1947:
começando pelos abolicionistas imediatistas do pré-Guerra Civil, em 1833; a
seguir, os abolicionistas do pós-Guerra Civil, em 1865; na década de 1920, são
evocados os ativistas negros entusiastas da migração para o Brasil; por último,
atravessando a década de 1920 até 1947, estão Gilberto Freyre e Frank
Tannenbaum, responsáveis por uma consolidação científica do paraíso racial. O
amplo recorte se volta aos momentos de criação e sedimentação da ideia de
democracia racial, antes da sua crescente derrocada, na segunda metade do século
XX. O objetivo é analisar de que forma esses sujeitos, ao retratarem o Brasil como
um paraíso racial, apresentavam os aspectos jurídicos dessa sociedade idílica. De
pronto se conclui que as duas dimensões caracterizadoras do paraíso racial estão
bastante intrincadas com o direito. Por um lado, a noção de escravidão suave se
sustenta na notícia de uma elevada taxa de alforrias, que teria sido possibilitada por
normas e instituições sistematicamente favoráveis à liberdade. Por outro lado, a
imagem de uma sociedade na qual negros e negras livres não possuiriam diante de
si qualquer barreira racial frequentemente usa como parâmetro a ausência de lei
impeditiva do acesso a cargos militares, eclesiásticos e políticos. Mas além do
endosso, durante a longa trajetória dos discursos estadunidenses sobre paraíso racial
houve movimentos de contestação dessa mesma imagem, e neles a crítica jurídica
se mostrou um argumento central. A partir da polivalência estratégica dos discursos,
entendeu-se que direito e raça foram associados por sujeitos num amplo espectro
político e, ainda que os sinais táticos fossem invertidos, elementos de continuidade
permaneceram. / [en] Comparative charts between Brazil and the United States race relations
abound in the field of racial studies and comparative history. But the practice of
comparing these two societies goes beyond the strictly academic milieu. Drawing
up a local view based on comparisons with other parts of the world is a common
practice in the Atlantic circulation of individuals and ideas. Thus, it is possible to
find discourses that systematically oppose Brazil and the United States since the
19th century, whose authors are quite diverse. This thesis seeks to delve into this
comparative universe based on a specific guideline: North American visions of a
Brazilian racial paradise. The racial paradise consists of the mirage of an idyllic
society with two great characteristics: a softer slave system; the absence of legal
racial barriers. Pursuing the history of the co-authors of the racial paradise means,
therefore, entering the long history of racial democracy, which goes back to
dynamics that precede its naming and subsequent denunciation as a myth. Based on
the bibliographic review and access to primary sources – such as the press, letters
and speeches – historical subjects who produced this vision of the Brazilian
Eldorado were identified and analyzed. These interlocutors are arranged in four
main periods, between 1833 and 1947: starting with the immediate abolitionists of
the pre-Civil War, in 1833; then post-Civil War abolitionists in 1865; in the 1920s,
the subjects are black activists who were enthusiastic about migrating to Brazil;
Finally, spanning the 1920s to 1947, there are Gilberto Freyre and Frank
Tannenbaum, responsible for the scientific consolidation of the racial paradise. The
broad sample goes back to the moments of creation and consolidation of the idea of
racial democracy, before its increasing colapse during the second half of the 20th
century. The objective is to analyze how these subjects, when portraying Brazil as
a racial paradise, presented the legal aspects of this idyllic society. It is immediately
concluded that the two dimensions that characterize the racial paradise are quite
intricate with the law. On the one hand, the notion of soft slavery is supported by
the news of a high rate of manumissions, which would have been made possible by
norms and institutions systematically favorable to freedom. On the other hand, the
image of a society in which free black men and women would not have any racial
barrier against them often uses the absence of a law preventing access to military,
ecclesiastical and political positions as a defining parameter. But in addition to the
endorsement, during the long trajectory of US discourses on racial paradise, there
were movements to contest this same image, and in them legal criticism proved to
be a central argument. From the strategic polyvalence of the speeches, it was
understood that law and race were associated by subjects in a wide political
spectrum, but even if the tactical signs were inverted, elements of continuity
remained.
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