Trypanosoma cruzi, causador da tripanossomíase americana, é um microrganismo exposto a uma variedade de espécies reativas de oxigênio, geradas como conseqüência do metabolismo de drogas tripanocidas, ou pelo hospedeiro como resposta fisiológica à invasão, além daqueles produzidos internamente em conseqüência dos processos oxidativos do parasita. Em qualquer circunstância, as células precisam proteger-se contra os produtos da redução parcial do oxigênio. Os tripanossomatídeos são aparentemente deficientes na defesa antioxidante. Embora possuindo uma superóxido dismutase, carecem de glutationa peroxidase e catalase, que são necessárias para a remoção do peróxido de hidrogênio. Além disso, glutationa, o maior composto sulfidrílico antioxidante em células de mamíferos, está presente em baixas concentrações nos tripanossomatídeos. No seu lugar, têm um composto sui generis, um conjugado de glutationa e de espermidina, conhecido como tripanotiona (N1, N8-bis(glutationil)espermidina), o qual junto com a tripanotiona redutase e o sistema peroxidase tripanotiona-dependente, parece estar envolvido no mecanismo de defesa antioxidante em Crithidia fasciculata. Este sistema parece existir em outros tripanossomatídeos, representando um importante alvo quimioterápico. A existência deste sistema metabólico em T. cruzi foi demonstrada inicialmente por uma baixa atividade peroxidásica tripanotiona-dependente, detectada em extratos celulares de formas epimastigotas e tripomastigotas. Imunoquimicamente, a existência deste sistema foi evidenciada ao se usar anticorpos heterólogos contra triparredoxina (Cf16) e triparredoxina peroxidase (Cf21) de C. fasciculata. Enquanto a reatividade em epimastigotas de T. cruzi é homogeneamente distribuída no citoplasma, as formas tripomastigotas apresentam uma reatividade descontínua localizada próxima à membrana plasmática. Os mesmos anticorpos policlonais foram utilizados para identificar por Western blot, as proteínas correspondentes em T. cruzi, sendo reconhecidas duas proteínas com massas moleculares aparente de 16 e 21 kDa, Tc16 e Tc21, respectivamente. Oligonucleotídeos foram então sintetizados baseados em regiões conservadas de seqüências codantes de DNA de peroxirredoxinas de tripanossomatídeos e de outros organismos e utilizados em ensaios de PCR com cDNA, amplificando-se um produto de 525 pb. Esta seqüência parcial apresentou uma homologia de 75% com o gene da triparredoxina peroxidase de C. fasciculata. No mesmo período foi depositada no GenBank (acc. n°. AJ012101) uma seqüência codante para uma proteína do tipo peroxirredoxina em T. cruzi e que apresentou uma homologia de 100% em relação à seqüência (correspondente às posições 1 a 525 de Acc. Nr. AJ012101). Utilizando a seqüência publicada, novos oligonucleotídeos correspondentes às regiões 5\' e 3\' foram desenhados, o gene putativo da triparredoxina peroxidase em T. cruzi (Tc21) foi amplificado a partir de DNA de T. cruzi por PCR, o produto clonado no vetor pET21b(+) e expresso em E.coli BL21(DE3). A proteína obtida apresentou atividade de tripanotiona peroxidase. Esta enzima, a triparredoxina peroxidase é membro de uma família de proteínas antioxidantes, denominadas de peroxirredoxinas, que são caracterizadas pela presença de dois domínios conservados - VCP, contendo as cisteínas envolvidas na catálise. Em relação à triparredoxina, apesar das várias tentativas empreendidas, o isolamento do respectivo gene foi infrutífero. No entanto, sua existência foi demonstrada por Western blot e imunofluorescência usando-se o anticorpo contra a triparredoxina de C. fasciculata. A triparredoxina de C. fasciculata é um membro da super-família das tiorredoxinas, com uma massa molecular de 16 kDa, maior que a tiorredoxina em vertebrados. Embora possuindo o motivo WCPPCR próximo à extremidade N-terminal, o qual é similar ao motivo WCGPCK(R), típico do sítio ativo das tiorredoxinas, a triparredoxina mostra uma baixa identidade em relação a estas últimas. A demonstração da existência de triparredoxina, triparredoxina peroxidase e tripanotiona redutase em T. cruzi sugere similaridade com o sistema de peroxidase descrito em C. fasciculata e que a defesa antioxidante em T. cruzi envolve um sistema enzimático mediado por tripanotiona e dependente de NADPH. As evidências disponíveis confirmam a existência do sistema peroxidase tripanotiona-dependente em T. cruzi, contrariando a afirmativa prévia da literatura que considerava a redução de peróxidos como uma reação não-enzimática. Esses resultados abrem a perspectiva de utilização do sistema como um potencial alvo para o desenvolvimento de quimioterápicos. / The American trypanosome Trypanosoma cruzi is exposed to a variety of toxic oxygen metabolites normally produced by endogenous processes as well as by responses to drugs or the action of the immune system. In either case, the cells need to be protected against the products of the partial reduction of oxygen. Trypanosomes are particularly weak in antioxidant defenses. Although possessing superoxide dismutase activity, they lack glutathione peroxidase and catalase which are necessary for the removal of hydrogen peroxide. Moreover, glutathione, the major antioxidant sulphydryl compound in mammalian cells, is present in low concentration in trypanosomes. Instead they contain a unique cofactor, a glutathione-spermidine conjugate, known as trypanothione (N1, N8-bis(glutathionyl)spermidine) which together with its ancillary enzymes, trypanothione reductase and trypanothione-dependent peroxidase system, appears to play a central role in the antioxidant defense mechanism in C. fasciculate. This system seems to be widespread among trypanosomatids, being an important target for a direct chemotherapeutic attack. The existence of this metabolic system in the human pathogen T. cruzi is supported by a low trypanothione-dependent peroxidase activity. It was found in crude extracts of epimastigote and trypomastigote forms using t-butyl hydroperoxide as oxidant. The existence of this metabolic pathway in T. cruzi is demonstrated by immunohistochemistry using antibodies raised against tryparedoxin (Cf16) and tryparedoxin peroxidase (Cf21) from C. fasciculate. Epimastigotes and trypomastigotes of T. cruzi display strong immunoreactivity by indirect immunofluorescence with these antibodies. White in epimastigotes immunofluorescence is homogeneously distributed in the cytoplasm, in trypamastigostes - the infective form for vertebrates - it appears in a discontinuous manner closer to the cytoplasmic side of the plasmic membrane. These polyclonal antibodies were employed to identify, by Western blot, the correspondening T. cruzi proteins. Two proteins with apparent molecular masses of 16 and 21 kDa, Tc16 and Tc21, were, respectively, recognized. In addition, oligonucleotides were synthesized using sequences based on the conserved regions of DNA coding sequence of peroxiredoxin from trypanosomatids and other organisms. Using these primers in PCR assays with cDNA, a product with 525 bp was amplified. This partial gene sequence shared identity with the homologous enzyme of C. fasciculate. The partial tryparedoxin peroxidase gene sequence of T. cruzi (Tc21) obtained up to this point (corresponding to positions 1 to 525) matched 100% with a published sequence presumed to encode a peroxiredoxintype protein in T. cruzi (acc. nr. AJ012101). Taking advantage of this full-length open reading frame, the putative Tc21 gene from T. cruzi was amplified from genomic DNA by PCR, cloned the PCR product into the vector pET21b(+) and expressed in E.colli BL21(DE3). Activity of tryparedoxin peroxidase was mesured by an heterologous coupled system monitoring the NADPH consumption upon hydroperoxide addition. This enzyme is a member of the peroxiredoxin family of antioxidant proteins and is characterized by the presence of two conserved domains - VCP - containing redox active cysteines. Although attempted, the isolation of the tryparedoxin gene was not successfull. Notwithstanding, the existence of the protein was apparent as seen by Western blot and immunofluorescence using the C. fasciculate heterologous antibody. Tryparedoxin is a new member of the thioredoxin superfamily of proteins isolated from C. fasciculate. With a molecular weight of 16 kDa, it is larger than thioredoxin from vertebrates. Moreover, apart from the sequence motif WCPPC near its N-terminus, which is similar to the thioredoxin-type active site motif WCGPCK(R), tryparedoxin display low similarity to the classical thioredoxin. The active motif WCPPCR is common to all known tryparedoxins. The demonstration of the existence of tryparedoxin, tryparedoxin peroxidase and trypanothione reductase in T. cruzi suggests that the antioxidant defense of this pathogenic protozoan also depends on the NADPH-fuelled, trypanothione-mediated enzymatic hydroperoxide metabolism, similarly to the C. fasciculate metabolic pathway. As oppsed to previous claims, the available evidence confirms the existence of trypanothione peroxidase activity in T. cruzi, making the enzymes system as molecular targets for the design of trypanocidal compounds.
Identifer | oai:union.ndltd.org:usp.br/oai:teses.usp.br:tde-07062019-101241 |
Date | 20 June 2000 |
Creators | Rodríguez, Jorge Alberto López |
Contributors | Alves, Maria Julia Manso |
Publisher | Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP |
Source Sets | Universidade de São Paulo |
Language | Portuguese |
Detected Language | English |
Type | Tese de Doutorado |
Format | application/pdf |
Rights | Liberar o conteúdo para acesso público. |
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