Antonio Candido, na Formação da Literatura Brasileira, disse que a vocação ecológica de nosso romance, nossa fome tão característica de espaços, em boa medida foi a forma que nossos primeiros romancistas teriam encontrado para substituir complexidade e variedade sociais supostamente inexistentes no Brasil àquela altura, que seriam, segundo ele, a própria carne da ficção de alto nível. Numa sociedade recém emancipada, com poucos nichos de urbanização, caracterizada por uma rede pouco vária de relações sociais em que os conflitos entre ato e norma seriam menos frequentes, o caráter paisagístico e investigativo de nosso primeiro romance teria sido a um só tempo muleta e solução privilegiada. Esse pensamento se alinha à tendência mais geral da teoria do romance de considerar como elementos fundamentais do gênero a ascensão da burguesia capitalista e a consolidação do realismo individualista. Os heróis do romance passam a ser então os heróis do individualismo econômico, o que demonstraria a coerência entre o gênero e os rumos filosóficos e econômicos da sociedade moderna. Concorda com ele, por exemplo, Lúcia Miguel-Pereira, para quem, sendo o gênero literário que mais diretamente se nutre da vida de relação, dificilmente poderia o romance atingir a culminâncias numa sociedade sem estratificações profundas, de fraca densidade espiritual. Pois bem, se o romance não pode lidar com os elementos essenciais da vida de modo geral e abstrato, mas tal como se revela através de determinado grupo humano, ou seja, socialmente verossímil como prega a mesma Lúcia Miguel-Pereira, então como explicar a complexidade e a modernidade de um narrador como Riobaldo e a qualidade de um romance como Grande Sertão: Veredas, se alocados no suposto isolamento de um sertão patriarcal? Partindo desse problema central, busca-se nesta pesquisa fundamentalmente a partir das relações entre a figuração espacial do romance e o ethos desse narrador sertanejo, entender como o espaço e o contexto social periféricos podem ter interferido na forma do romance, já que, como coloca Franco Moretti: Um novo espaço encoraja mudanças de paradigma [...] porque coloca novos problemas e dessa forma pede novas respostas. Força escritores a assumir riscos e tentar combinações inauditas. / Antonio Candido, in Formação da Literatura Brasileira, said that the ecological vocation of our novel, our so peculiar hunger for spaces, was in a measure the way our first authors would have found to replace social complexity and variety allegedly inexistent in Brazil by that time which would be, according to him, the own flesh of high level fiction. In a newly emancipated society, with few civilization niches, characterized by a not so varied network of social relations in which the conflicts between act and norm would be less frequent, the landscape and investigative character of our first novel would have been, at the same time, privileged solution and prop. This thought is aligned with the broader trend of the theory of the novel, which considers as fundamental elements of genre the capitalist bourgeois ascension and the individualist realism consolidation. The novel heroes come to be the economical individualism ones, therefore demonstrating the coherence among the genre and the economical and philosophical courses of modern society. Lúcia Miguel-Pereira agrees with him, being the literary genre the one that more directly nurtures from the relationships life, the novel could hardly reach heights in a society without deep stratification, of a weak spiritual density. This said, if the novel cannot deal with life essential elements in an abstract and general manner, but in the way it reveals itself through a certain human group, that is, socially credible as the same Lúcia Miguel-Pereira states then how to explain the complexity and modernity of a narrator such as Riobaldo and the quality of a novel such as Grande Sertão: Veredas, if placed in a supposed isolation of a patriarchal sertão? From this central problem, this research seeks fundamentally from the relations between the novel spatial figuring and this sertão narrators ethos to understand how the space and the peripheral social context could have interfered in the novel form, since Franco Moretti also states: a new space encourages paradigm shifts [] because it presents new problems and in this way it asks for new answers. It compels writers to put up with risks and try unprecedented combinations.
Identifer | oai:union.ndltd.org:usp.br/oai:teses.usp.br:tde-14092012-115057 |
Date | 04 May 2012 |
Creators | Hening, Reinaldo Oliveira |
Contributors | Mazzari, Marcus Vinicius |
Publisher | Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP |
Source Sets | Universidade de São Paulo |
Language | Portuguese |
Detected Language | English |
Type | Dissertação de Mestrado |
Format | application/pdf |
Rights | Liberar o conteúdo para acesso público. |
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