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[pt] IMAGINAR O QUASE-ACONTECIMENTO: POÉTICAS AMERÍNDIAS E OCIDENTAIS / [en] IMAGINING QUASI-EVENTS: WESTERN AND AMERINDIAN POETICS

MARIA BEATRIZ DE FARIA CASTANHEIRA RIBEIRO 03 November 2020 (has links)
[pt] Esta tese explora a potência da noção de quase-acontecimento no campo dos estudos literários. Buscando tal noção na esfera do perspectivismo ameríndio, soma-se a investigações contemporâneas que, comprometidas com o imperativo de não presumir vantagem epistemológica nos encontros com os povos indígenas, vêm se interessando em pensar a experiência artística sob o impacto desses encontros. No universo ameríndio, o quase acontecer é um evento recorrentemente associado ao trânsito ontológico (viagens aos mundos dos mortos, dos espíritos, dos animais, das coisas etc.), sendo a quasidade um vetor crucial em narrativas míticas e práticas xamânicas. Em contraste com estados de fusão ou anulação, a experiência com a quasidade só pode se manifestar em termos suspensivos. A disposição para habitar, assim em suspensão, zonas de vizinhança entre mundos humanos e não humanos já foi muitas vezes evocada e convocada em conexão com a experiência artística em contextos ditos ocidentais: tomando parte nesse movimento, as reflexões de Deleuze e Guattari são, de modo geral, uma influência importante nos materiais etnofilosóficos aqui em foco, notadamente, os trabalhos de Eduardo Viveiros de Castro, Tania Stolze Lima e Manuela Carneiro da Cunha. Dois aspectos do pensamento da dupla de filósofos franceses importam em especial para este estudo: por um lado, mais teórico, está a insistência no devir feiticeiro do artista; e, por outro lado, mais metodológico, está o caminho que abrem ao construir seu pensamento por meio da invenção de séries heterogêneas de intercessores. Compondo-se de um conjunto eclético de materiais poéticos capazes de perturbar certo modo ocidental de conceber a imaginação, esta tese dedica-se a investigar vínculos possíveis entre imaginação poética e quase acontecimento. Apresentando-se e discutindo-se modos singulares com que poéticas ameríndias e ocidentais mobilizam o quase acontecer, mostra-se que o diálogo com práticas interligadas da vida ameríndia abre caminhos férteis para (re)pensar e (re)viver a potência do corpo na imaginação e os vínculos entre práticas teórico-críticas e práticas artísticas. A tese reflete em sua própria escritura este último ponto: os exercícios de leitura aqui realizados fazem transbordar entre si minhas atividades como pesquisadora e como escritora. Por este viés e num recorte que bastará aos interesses deste estudo, tais exercícios respondem à natureza paradoxal das imagens xapiri na narrativa xamânica de David Kopenawa em A queda do céu; à atmosfera mítico-ritualística de contato dos Ikpeng e dos Yanomami com a morte; e ao desordenamento de corpos que infestam o mito Pu iito – práticas e poéticas ameríndias que ponho em fricção com as seguintes experiências artísticas ocidentais: os livros O imitador de vozes, de Thomas Bernhard e Amada, de Toni Morrison; o poema Qvasi , de Edimilson de Almeida Pereira; e o conto O sofredor do ver , de Maura Lopes Cançado. / [en] This thesis explores the potency of the notion of the quasi-event in the field of literary studies. By locating this notion within the sphere of Amerindian perspectivism, it makes use of contemporary investigations that, committed to the imperative of not assuming an epistemological advantage in encounters with indigenous peoples, have been interested in considering the artistic experience under the impact of these encounters. In the Amerindian universe, a quasi-event-taken is an event recurrently associated with ontological transit (i.e., trips to the worlds of the dead, spirits, animals, things etc.), in which quasidade is a crucial vector in mythical narratives and shamanic practices. In contrast to states of fusion and annulment, this experience with quasidade can only manifest itself in suspensive terms. The willingness to inhabit (thus in suspension) neighboring zones between human and non-human worlds has often been evoked and summoned in connection with the artistic experience in so-called Western contexts: taking part in such movement, the reflections of Deleuze and Guattari are, in general, important influences on the ethnophilosophical materials in focus, most notably the works of Eduardo Viveiros de Castro, Tania Stolze Lima and Manuela Carneiro da Cunha. Moreover, two aspects of the French philosophers thinking are especially relevant to this study: on the one hand, a more theoretical approach is the insistence on the becoming sorcerer of the artist; and, on the other hand, more methodological, is the path they open when constructing their thinking through the invention of a heterogeneous series of intercessors. Composed of an eclectic set of poetic materials capable of disturbing a certain Western way of conceiving the imagination, this thesis investigates possible links between poetic imagination and quasi-event . Hence, introducing and discussing the unique ways in which Amerindian and Western poetics mobilize quasi-event-taken, it is shown that the dialogue with interconnected practices of Amerindian life clears the path for alternative ways to (re)think and (re)live the potency of the body in the imagination, as well as the links between theoretical-critical and artistic practices. This last matter is reflected in this work s writing process: the reading exercises carried out here make my activities as a researcher and as a writer to overflow with each other. By this bias and in a cut-off that will be enough for the interests of this study, such exercises respond to the paradoxical nature of xapiri images in David Kopenawa s shamanic narrative in A queda do céu; the mythical-ritualistic atmosphere of Ikpeng and Yanomami contact with death; and the disorder of bodies that infest the myth Pu iito – Amerindian practices and poetics that I put in friction with the following Western artistic experiences: the books O Imitador de Vozes, by Thomas Bernhard and Amada, by Toni Morrison; the poem Qvasi , by Edimilson de Almeida Pereira; and the short story O sofredor do ver , by Maura Lopes Cançado.

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