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Repente : do canto árabe aos sertões nordestinosdo Socorro de Assis Monteiro, Maria January 2004 (has links)
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Previous issue date: 2004 / O Repente é o que se pode chamar, com exatidão, de arte democrática, fruto que é do
espaço que ocupa, da característica de seus produtores, dos motivos da terra e das suas
gentes. Seu nascedouro são aglomerados humanos, rurais, de igual padrão social; seus
feitores são artistas nitidamente populares, cantadores do lugar; seus temas são estimulados
pela conjuntura da terra e do homem, e envolvem, numa espécie de lirismo, o sentimento
amoroso, os problemas sociais, a natureza, a religião e Deus, além de um escárnio com ar de
desdém aos políticos e às políticas atuais, entre muitos outros motivos.
Essa modalidade artística ainda enfrenta muitos desafios, e o principal deles diz
respeito à forma preconceituosa com que é visto por aqueles ditos apreciadores da arte
superior. Isso restringe (em parte) o espaço do movência do Repente, como se toda arte
devesse seguir os padrões artísticos internacionais, tradicionamente arraigados nos meios
escolares da Europa e disseminados pelos demais continentes.
Os olhares postos no Repente, buscaram, na maioria das vezes, examinar as raízes da
cultura brasileira, seu vínculo com o universo europeu, sua pertinência com o mundo árabe
(cogitada a pouco tempo), seu lado pitoresco, anônimo, folclórico, e isso distanciaria esta
arte de toda erudição.
Essa distância estaria, na verdade, cada vez mais tênue, e isto é comprovável na
simples observação das chamadas obras literárias clássicas, a exemplo da Ilíada, de
Homero, de Os Lusíadas, de Luis de Camões, entre outras. A fusão de linguagens,
organizadas em níveis mesclados de erudição e popular, bem como a provável autoria
desses cantos atribuída por muitos estudiosos, a cantores populares, contribuiriam para o
fortalecimento da conexão entre o popular e o erudito.
O cultivo da oralidade, característica impar da arte repentista, aponta para os
primórdios da existência poética do Repente, posto que a voz é anterior a qualquer
expressão comunicativa do homem, e essa voz estaria vinculada ao ritmo, primeira
descoberta anterior a linguagem, segundo Otávio Paz. O ritmo havia de ser o poético da vida
e foi percebido a partir do compasso do coração, dos movimentos da respiração, da marcha
dos pés, do movimento dos astros, da luz e das trevas, das marés: enfim, o ritmo preexiste a
qualquer linguagem verbal.
O Repente não tem valor meramente sociológico, antropológico, não está no lugar do
passado, como muitos preferem ver, mas é vivo, está a nossa volta, visível, audível, comunicando ao homem, sensibilizando-o, pelo canal mais precioso, direto e real: a voz dos
cantadores repentistas
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