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Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadeMatos Fernandes, Ana 12 May 2011 (has links)
A presente tese tem como núcleo temático o discurso de reinvenção da ruralidade. Partindo da premissa de que vem sendo disseminada e institucionalizada, em diversas esferas da vida social, uma valorização discursiva da ruralidade e do seu potencial de reinvenção (perante uma suposta crise demográfica e funcional generalizada e igualmente forte nos discursos políticos, mediáticos e sociais), pretendemos ir ao encontro do projecto de ruralidade que se precipita neste contexto. Da assunção da crise do mundo rural parece brotar um discurso optimista por relação às suas perspectivas de reinvenção, do qual deriva a proposta de uma determinada versão de ruralidade. Ora, importa discutir este projecto e o seu programa funcional para as áreas rurais, pelo seu poder e influência, já que é a partir dos discursos e do seu trabalho de definição de significados para os lugares, que se define o modo como vemos, valorizamos, gerimos e projectamos os territórios.
Discutimos o discurso em três dimensões fundamentais, ou seja, no seu registo político e técnico (mais precisamente no âmbito das políticas de desenvolvimento rural), na sua raiz cultural (a bateria de representações bucólicas que compõe o chamado Ideal Rural) e, finalmente, no seu registo comercial (naquilo que é a promoção dos produtos rurais e do rural enquanto produto). Posto isto, verificamos que a estratégia política de desenvolvimento para as áreas rurais, fortemente baseada no seu potencial natural e patrimonial, se alimenta do ideal rural, para fazer vender um conjunto de produtos, num processo de transformação destes territórios em espaços de consumo e não mais de produção.
Esta perspectiva de desenvolvimento baseia-se na valorização dos patrimónios naturais e culturais e sai legitimada pelo binómio axiológico que sustenta o discurso de reinvenção da ruralidade. De facto, património e sustentabilidade ambiental gozam, nas sociedades ocidentais, de uma sacralidade e de uma centralidade discursiva, que facilita a legitimação da ruralidade idílica, no sentido em que esta é apresentada como uma reserva dos valores culturais e ambientais que estão em risco nas cidades e na civilização. Desta feita, os argumentos e os valores por detrás do discurso, ao mesmo tempo que reforçam o seu poder e a sua aceitação social, precipitam as grandes missões do mundo rural – preservar o passado e garantir o futuro.
Por fazer sentido enquanto alteridade a um modelo de cidade próspera, dominante, mas muito demonizada discursivamente, por responder às expectativas de recreação e consumo urbanas e às suas representações idílicas de ruralidade, por favorecer o alargamento dos negócios e mercados urbanos e a reintegração dos recursos rurais nas lógicas de rentabilização do capitalismo, por resultar em estratégias de requalificação territorial muito próximas das aplicadas aos centros históricos das cidades, entre outras razões, somos levados a pensar neste discurso/projecto pela sua origem urbana. Assim sendo, para além de analisar o conjunto de interesses culturais, económicos e políticos que sustentam este discurso, sempre à luz das relações territoriais e tendo em conta a forte dominação urbana, importava ir ao corpo da cidade para palpar as materializações deste discurso.
Escolhemos estudar espaços de recriação da ruralidade idílica, para perceber os contornos do projecto que se impõe aos territórios rurais, ou seja, conhecer as paisagens desejadas (e, portanto, as expectativas que pairam sobre as paisagens reais), a partir da sua materialização cenográfica em lugares temáticos, para usufruto urbano. Assim, através de uma incursão etnográfica, conhecemos a quinta do Mata-Sete e o Núcleo Rural de Aldoar, que constituem pequenos nichos de ruralidade recriada, nos dois maiores parques urbanos da cidade do Porto, “capital” do Norte de Portugal. Encontrámos uma ruralidade educativa, patrimonial, depurada e cómoda, adaptada às exigências de conforto urbano e derivada do ideal rural. / This thesis’ core theme is the rurality reinvention discourse. The starting point is the assumption that the valuation of rurality and its reinvention potential is being discursively disseminated (facing a supposedly generalized demographic and functional crisis in rural territories, very centralized in political and social discourses as well as in the media). This valuation of rurality is being institutionalized in several layers of society. Our intention is to meet the rurality project emerging from this context.
We handled the discourse in three fundamental dimensions, that is, its political and technical feature (more precisely in the scope of rural development policies), its cultural root (the range of bucolic representations which build the so-called Countryside Ideal) and finally, its commercial feature (the promotion of rural products and of the rural as a product).
This development perspective is based on the valuing of natural and cultural patrimony and is legitimated by the axiological binomial which sustains the discourse of rurality reinvention. The arguments and the values behind the discourse reinforce its power and social acceptance at the same time they hasten the big missions of the rural world – preserve the past and grant the future.
Because it makes sense as an alternative to a model of prosperous city, dominant, but very discursively demonized; because it responds to urban recreation and consumption expectations and their idyllic representations of rurality; because it encourages business and urban market growth; because it results from territorial requalification strategies very close to the ones used in historical city centres, among other reasons, it makes sense to think of this discourse/project as having an urban origin.
That being so, it was important to go deep into to the city (as an empirical object) in order to grasp the discourse’s materializations. We have chosen to study spaces of idyllic rurality thematization in order to understand the outlines of the reinvention project imposed to rural territories. That is, getting to know the desired landscapes (and thus the expectations floating over the real landscapes), from their scenographic materialization, in thematic places for urban fruition
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