Os conflitos e debates sobre usos, propriedade e gestão da água ganharam evidência nos processos de privatização de serviços de abastecimento nos anos 1990 e, atualmente, aparecem em outros espaços de luta social. Os distintos temas relacionados à água, no entanto, são usualmente trabalhados desarticuladamente, o que contribui para a disseminação de imprecisões teórico-conceituais que refletem as lutas sociais as concepções emergentes: o bem comum é um conceito vivo cujas imprecisões contribuem para sua cooptação pela hegemonia organizada por oligopólios que concentram as tecnologias de apropriação da água. Esse trabalho propõe uma análise dos diferentes temas da água a partir da articulação dos conceitos de metabolismo social, valor e luta de classes, em Marx; e das concepções emergentes nas lutas contra privações no acesso à água. Realiza, pela abstração, uma crítica ontológica da apropriação capitalista da água, que indica suas contradições e as esclarece desde sua gênese. A crítica ontológica é um movimento que mexe com todas as dimensões do conhecimento (epistemológicas, teóricas e metodológicas) e que reproduz o concreto, a sociedade capitalista em suas múltiplas determinações, pela abstração. Recria, dessa forma, essa realidade a partir de seu núcleo fundamental, o valor. As formas de apropriação da água na sociedade capitalista são organizadas pela produção de mais valor em uma dinâmica de luta de classes: a água é natureza incorporada na criação de mais valor. A análise do tema da água, nesse sentido, deve identificar os interesses de classe em disputa e os reflexos dessa disputa nos usos da água e nas formas de vida. Nessa perspectiva, se percebe que as formulações sobre a água como bem econômico, ao desconectar o valor-de-uso da água do valor atribuído pelo dinheiro, engendram uma relação fetichizada, na qual os mecanismos de gestão são separados das práticas de apropriação e integrados aos valores legitimados pelo capital. Ocultam, nesse processo, os aspectos desiguais e destrutivos das práticas de apropriação da água. O consenso ativo conquistado por essa hegemonia se manifesta na estratégia de ONGs, iniciativas políticas e análises acadêmicas enredadas em armadilhas teóricas e políticas, que aparece na confusão conceitual entre a água como bem público e bem comum. Inspirado em lutas sociais que alcançam a necessária crítica ontológica das relações capitalistas, defendo que uma concepção da água como bem comum está na afirmação éticoprática de que os frutos da natureza pertencem à humanidade. Pertencem, portanto, a todos os que deles necessitam para viver. O trabalho propõe, de forma conclusiva, uma compreensão universalizante da organização: a apropriação da natureza e da água é também a organização do metabolismo social que, na sociedade capitalista, se fundamenta na extração de mais valor pela classe capitalista em todos os momentos da vida. As concepções que emergem nas lutas sociais esboçam novas formas de organizar o metabolismo social, nas quais o critério para a apropriação da água e da natureza é o bem comum, um princípio ético e universal: a reprodução da vida humana. / Conflicts and debates surrounding water uses, properties and management became evident with the privatization processes in the nineties. Nowadays, these issues have appeared in further social struggles. Even though, the various issues related to water are usually approached in a non-articulated way, and that contributes to the dissemination of theoretical and conceptual imprecisions and contradictions, with consequences in social struggles that oppose capitalist appropriation of water and the concepts that emerge on it, like the common good. The common good is a living concept, but its theoretical and conceptual imprecisions contribute to its cooptation by a hegemonic bloc organized by transnational corporations which concentrate the technologies of water appropriation. This dissertation proposes an analysis of different issues related to water through the articulation of the concepts of social metabolism, value and class struggles in Marx; and conceptions that emerge in social struggles. It makes, through abstraction, an ontological critique of capitalist appropriation of water that indicates its contradictions and clarifies its genesis. The ontological critique moves every dimensions of knowledge (epistemological, theoretical and methodological) and reproduces the concrete, capitalist society in its multiple determinations. It recreates this reality through its fundamental nucleus, value. The different forms of water appropriation in a capitalist society are organized for the production of surplus value in a class struggle dynamic: water is nature incorporated in the creation of surplus value. The analysis of water issues, in this sense, must identify the class interests in dispute and also the reflection of this dispute in water uses and ways of life. In this perspective, it becomes evident that the formulations of water as an economic good, by disconnecting use-value from value attributed by money, engender a fetishized relation in which management mechanisms are separated from appropriation practices and integrated to values legitimated by capital. They conceal, in this process, unequal and destructive aspects of water appropriation. The active consensus conquered by this hegemony is manifested in the strategy of NGOs, political initiatives and academic analysis limited by concepts like governance and civil society as opposed to the State, and in the conceptual confusion between water as a public good and as a common good. Inspired in social struggles that reach the necessary ontological critique of capitalist relations, I argue that a conception of water as a common good is the ethical and practical affirmation that the gifts of nature belong to humanity: they belong to all who need it for living. This dissertation proposes, as a conclusion, a universalizing comprehension of organization: the appropriation of nature and water is also the organization of social metabolism which is founded, in capitalist society, in the extraction of surplus value by the capitalist class in every moment of life. Water as a common good is a conception that emerge in social struggles that aim at new ways of organizing social metabolism in which the criteria to appropriate water and nature is an ethical and universal principle: the reproduction of human life.
Identifer | oai:union.ndltd.org:IBICT/oai:lume56.ufrgs.br:10183/72143 |
Date | January 2013 |
Creators | Flores, Rafael Kruter |
Contributors | Misoczky, Maria Ceci Araujo |
Source Sets | IBICT Brazilian ETDs |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | info:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/doctoralThesis |
Format | application/pdf |
Source | reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS, instname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul, instacron:UFRGS |
Rights | info:eu-repo/semantics/openAccess |
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