[pt] Esta tese busca mapear e analisar os principais elementos envolvidos na atuação neoconservadora sobre a educação nacional. Investiga-se tendências, inclinações, valores e objetivos relacionados à logica conservadora e sua influência sobre o projeto político educacional brasileiro. Discute-se, também, o lugar ocupado pela religião nesse contexto. A hipótese que sustenta esse trabalho é a de que o neoconservadorismo em ascensão no Brasil utiliza a educação como campo privilegiado para a difusão de valores morais, religiosos, meritocráticos e securitários, na tentativa de esvaziamento do ambiente escolar de seu componente político e emancipatório. O referencial teórico utilizado nesta pesquisa articula autores nacionais e internacionais como Ronaldo Almeida, Marina Lacerda, Noël O Sullivan e Michael Apple, embasando o entendimento de que a ativismo neoconservador brasileiro se inspira em movimentos de semelhante natureza oriundos de outros país, especialmente dos Estados Unidos da América dos anos 1970 e 1980, adaptando-o às próprias especificidades. Assim como no contexto original, a educação passa a ocupar um lugar de grande relevância e interessa, dada sua capilaridade e importância social. A abordagem metodológica utilizada é a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016) de um conjunto de documentos: iniciativas parlamentares relacionadas à educação propostas entre os anos 2001 e 2020 na Câmara de Deputados, o Manifesto à Nação Brasileira produzido pela Frente Parlamentar Evangélica em 2018, o discurso de posse do atual presidente Jair Bolsonaro e o decreto de implementação de escolas cívico militares, de sua autoria. Os resultados confirmam a hipótese inicial ao indicarem o crescimento de propostas de natureza conservadora ao longo dos anos analisados em torno de temas como sexualidade, religião, educação domiciliar, doutrinação escolar e patriotismo. Em última análise o trabalho evidencia que o que se está em disputa são diferentes projetos de sociedade e democracia que atravessam debates sobre família, laicidade, diversidade e objetivos educacionais. Suas implicações para educação apontam um caminho de autocensura docente, cerceamento do pluralismo de ideias e o rompimento dos limites entre público e privado, conhecimento e opinião. A conclusão deste texto traz a síntese das ideias discutidas e o apontamento de desdobramentos futuros, tais como as implicações dos resultados obtidos para o ensino de conteúdos disciplinares como evolução biológica, reprodução e sexualidade. Temas que interessam ao patrulhamento ideológico religioso da atuação neoconservadora educacional. / [en] This thesis analyzes the main elements involved in the neoconservative action on national education. It investigates trends, inclinations, values and objectives related to conservative logic and its influence on the Brazilian educational political project. It also discusses the place occupied by religion in this context. The hypothesis that supports this work is that the rising Neoconservatism in Brazil uses education as a field for the dissemination of moral, religious, meritocratic and security values, to empty the school environment of its political and emancipatory component. The theoretical framework articulates national and foreign authors such as Ronaldo Almeida, Marina Lacerda, Noel O Sullivan and Michael Apple. Upon these works, we argue that Brazilian neoconservative activism is inspired by similar movements from other countries, especially from the United States of America in the 1970s and 1980s, adapting it to Brazil’s own specificities. As in the original context, education now occupies a place of great relevance and interest, given its capillarity and social importance. The methodological approach used is Content Analysis (BARDIN, 2016) of a set of documents: parliamentary initiatives related to education proposed between the years 2001 and 2020 in the Brazilian Chamber of Deputies, the Manifesto to the Brazilian Nation produced by the Evangelical Parliamentary Front in 2018, the inauguration speech of the current president Jair Bolsonaro and the decree implementing military civic schools. The results confirm the initial hypothesis by indicating the growth of conservative proposals over the years related to themes such as sexuality, religion, home education, school indoctrination and patriotism. Ultimately, the work shows that different projects of society and democracy are in dispute involving controversies about family, secularity, diversity, and educational aims. Its implications for Education point to teacher silencing, limiting the pluralism of ideas and breaking the boundaries between public and private, knowledge and opinion. The conclusion of this text synthetizes the ideas discussed and the points out future developments, such as the implications for the teaching of topics as biological evolution, reproduction, and sexuality. Themes that are of interest to religious ideological patrolling of neoconservative educational activities.

[pt] O movimento Escola sem Partido (EsP), fundado em 2004 com um ideário contrário ao que chama de doutrinação esquerdista e comunista nas escolas do país, ganhou visibilidade no debate educacional em 2014, ao incorporar o combate à suposta ideologia de gênero. O EsP se desenvolveu numa conjuntura sócio-política de reação à conquista de direitos e ao avanço de políticas públicas sensíveis aos movimentos sociais e as camadas mais pobres das sociedades, no contexto do que vem sendo chamado de neoconservadorismo brasileiro. O movimento se aproximou da direita cristã e fez parte da campanha de Jair Bolsonaro à presidência. Esta pesquisa teve como objetivo investigar as narrativas do EsP acerca do ensino de História, sobretudo aquelas relacionadas às diferenças humanas no tempo (religião, diferenças étnico-raciais, relações de gênero e sexualidades). Partimos do pressuposto que a disciplina de História ocupa espaço profícuo na produção de sujeitos e que, desde a década de 1990, vem sendo interpelada por movimentos sociais que visam incluir novos sujeitos, histórias, lugares e temporalidades na construção da ideia de nação e na produção de subjetividades. Em relação à metodologia, buscamos as publicações disponíveis no site do Escola sem Partido que abordam a disciplina acadêmica e/ou escolar de História e suas relações com as diferenças. Dessa maneira, foram selecionadas e analisadas em seu conteúdo 61 publicações que discutiam diferentes religiosidades, relações étnicoraciais e de gênero, sexualidades e no passado. Os resultados mostram que estas publicações: 1) se colocam, majoritariamente, contra práticas docentes, livros didáticos, faculdades e concursos em torno da disciplina de História; 2) criticam o que consideram ser uma hegemonia do marxismo na História; 3) defendem a Igreja Católica em temporalidades como as das Cruzadas e da Inquisição, e os cristãos, especialmente os jesuítas no processo de colonização; 4) buscam afastar a Igreja Católica das experiências de escravidão; 5) apresentam tom moralizante ao representar as mulheres, assim como a construção de uma teoria que, contra a noção de gênero, se fixa no biológico como meio de interpretar os papéis de homens e mulheres no passado, no presente e para o futuro. Em conclusão, as narrativas compiladas no site manifestam o caráter reativo do neoconservadorismo brasileiro, de forte viés moralista, tradicional, cristão, heteronormativo e opositor às demandas de mulheres, negros e LGBTQIA mais. A disciplina escolar de História é um de seus alvos, demonstrando a sua relevância para a construção e defesa de conhecimentos e valores que reforçam a autoridade de grupos historicamente dominantes na sociedade brasileira. / [en] The Unpartisan School movement (Escola sem Partido, EsP) movement, founded in 2004 with an ideology contrary to what it calls leftist and communist indoctrination in the country s schools, gained visibility in the educational debate in 2014, by incorporating the fight against the supposed gender ideology. The EsP grew in a socio-political context of reaction to the conquest of rights and the advancement of public policies sensitive to social movements and the poorest strata of societies, in the context of what has been called Brazilian neoconservatism. The movement approached the Christian right and was part of Jair Bolsonaro s presidential campaign. This research aimed to investigate the EsP narratives about the teaching of History, especially those related to human differences in time (religion, ethnic-racial differences, gender relations and sexualities). We start from the assumption that the discipline of History occupies a fruitful space in the production of subjects and that, since the 1990s, it has been questioned by social movements that aim to include new subjects, histories, places, and temporalities in the construction of the idea of nation and in the production of subjectivities. Regarding the methodology, we searched for publications available on the EsP website that address the academic and/or school discipline of History and its relations with differences. In this way, 61 publications were selected and analyzed in their content that discussed different religiosities, ethnic-racial and gender relations, sexualities and in the past. The results show that these publications: 1) are mostly opposed to teaching practices, textbooks, faculties and competitions around the discipline of History; 2) criticize what they consider to be a hegemony of Marxism in History; 3) defend the Catholic Church in temporalities such as the Crusades and the Inquisition, and the Christians, especially the Jesuits in the colonization process; 4) seek to distance the Catholic Church from the experiences of slavery; 5) present a moralizing tone when representing women, as well as the construction of a theory that, against the notion of gender, is fixed on the biological as a means of interpreting the roles of men and women in the past, present and for the future. In conclusion, the narratives compiled on the website manifest the reactive character of Brazilian neoconservatism, with a strong moralist, traditional, Christian, heteronormative bias and opposing the demands of women, blacks and LGBTQIA plus. The school subject of History is one of its targets, demonstrating its relevance for the construction and defense of knowledge and values that reinforce the authority of historically dominant groups in Brazilian society.

[pt] O homeschooling (HS) é um movimento de origem norte-americana que desde os anos 1960 luta pelo direito dos pais de retirarem seus filhos de instituições escolares para ensiná-los em casa. Em seu início, mantinha relações com ideais anarquistas, mas logo foi cooptado pelas correntes do neoconservadorismo e do neoliberalismo. Desde então, as motivações para sua adoção passam pelo descontentamento com o sistema escolar e pelo desejo de ter amplo controle do processo educativo de seus filhos. A prática chega ao Brasil por meio de missionários protestantes no final do século passado, passa por um longo período de inércia e alcança o debate público com a ascensão da nova direita, que é banhada nas mesmas águas ideológicas do homeschooling. Partindo do pressuposto de que existe um grupo de atores que agem de forma coordenada e guiados por crenças compartilhadas, entendemos que no Brasil existe uma coalizão, nos termos do Modelo de Coalizões de Defesa, pró-HS. Diante disso, buscamos investigar semelhanças e diferenças entre as crenças, as formas de atuação e os argumentos utilizados pela coalizão que advoga em defesa da legalização e implementação do homeschooling. Em relação à metodologia, realizamos uma pesquisa qualitativa de cunho documental. Selecionamos materiais produzidos pela coalizão ou que tinham potencial de apresentarem dados importantes, como Projetos de Lei, notas taquigráficas de audiências públicas e posts de redes sociais. Para o processo analítico, foi lançado mão da Análise de Conteúdo, dos preceitos do neoconservadorismo e do neoliberalismo e das categorias de análise do Modelo de Coalizões de Defesa trabalhadas. Os resultados indicam que as crenças da coalizão se sustentam em três pilares: nas noções de liberdade, de família e de responsabilização. Elas apresentam forte e íntima relação com as marcas neoconservadoras e neoliberais, o que coloca o homeschooling dentro do campo das políticas educacionais guiadas por valores mercadológicos e moralizantes. Nesse sentido, identificamos que o HS leva à exaltação de uma liberdade individual e irrestrita, à promoção da família tradicional, à objetificação das crianças e adolescentes, à transferência de responsabilidade de um direito social e a valorização de princípios meritocráticos. Além disso, a coalizão usa de diferentes estratégias para materializar suas crenças e alcançar seus objetivos, concentrando-se especialmente nos da esfera política, com a apresentação de Projetos de Lei, e na esfera social, buscando aprovação pública da pauta. Ainda, analisamos os argumentos adotados. Eles atuam como forma de convencer a opinião pública sobre os supostos benefícios da prática e contra argumentam as críticas levantadas pela coalizão contrária. Por fim, entendemos que o homeschooling tem potencial para colocar em risco o direito à educação e a ideia de construção coletiva visando a convivência em sociedade democrática. / [en] Homeschooling (HS) is a movement created in the USA that since the 1960s has been fighting for the right of parents to withdraw their children from regular schools to teach them at home. At first, it maintained relations with anarchist ideals, but was soon co-opted by neoconservative and neoliberal groups. Since then, the motivations for its adoption have been the dissatisfaction with the school system and the desire to have full control over the educational process of their children. The practice came to Brazil through protestant missionaries at the end of the last century, and, after a long period of inertia, reached public debate with the rise of the new right political group. Assuming that there is a group of actors who act in a coordinated way and guided by shared beliefs, we understand that, in Brazil there is a pro-HS coalition, as defined by the Defense Coalition Model. Therefore, we seek to investigate possible similarities and differences between the beliefs, the ways of acting and the arguments used by the coalition that advocates in defense of the legalization and implementation of homeschooling. Regarding the methodology, we carried out a qualitative documentary research. In this way, we selected materials produced by the coalition or that had the potential to present important data about it, such as bills, shorthand notes from public hearings and social media posts. We analyzed the data using content analysis, and the concepts of neoconservatism, neoliberalism and the categories of analysis of the Defense Coalitions Model. The results indicate that the coalition s beliefs are based on three pillars: the notions of freedom, family, and accountability. They have a strong and intimate relationship with neoconservative and neoliberal thought, which places homeschooling within the field of educational policies guided by marketing and moralizing values. Thus, we identified that HS leads to the exaltation of individual and unrestricted freedom, the promotion of the traditional family, the objectification of children and adolescents, the transfer of responsibility for a social right and the appreciation of meritocratic principles. Additionally, the coalition uses different strategies to materialize its beliefs and achieve its objectives, especially in the political and social spheres. Still, we analyze the arguments adopted. The coalition s arguments try to convince public opinion about the alleged benefits of the practice and counter the criticisms raised by the opposing coalition. Finally, we understand that homeschooling has the potential to jeopardize the right to education and the idea of collective construction aimed at coexistence in a democratic society.