[pt] A proliferação de movimentos sociais que se organizam em uma estrutura dita horizontal vem despertando a imaginação daqueles que questionam as formas atuais de fazer política. Esta tendência suscita a questão de saber até que ponto sujeitos diversos encontram voz em meio a esses grupos e a alegada horizontalidade se concretiza. Visando lançar luz sobre esta questão, esta pesquisa qualitativa interpretativista debruça-se sobre as lutas urbanas contemporâneas, tomando as práticas discursivas de cicloativistas engajados em grupos de debate no Rio de Janeiro como seu objeto micro. A partir da compreensão de que suas reivindicações se encontram atravessadas pelas lutas de grupos minoritários na esfera pública, elege como norte analítico a noção de gênero enquanto performance. Embora diversas assimetrias possam manifestar-se nas interações, o enfoque aqui conferido decorre de observações proporcionadas pelo estudo de campo e pelo contato aproximado aos dados gravados. No intuito de ouvir vozes tradicionalmente marginalizadas, a pesquisa propõe uma escuta (auto)etnográfica, privilegiando narrativas contadas por protagonistas mulheres. A microanálise é dividida em duas lâminas: a primeira centrada na construção do mundo narrado e a segunda nas
interações que se desenvolvem no mundo narrativo. Buscando compreender a articulação e a negociação dos significados emergentes, bem como os possíveis diálogos com as contingências macrossociais que posicionam os atores sociais de forma diferenciada nas interações, o estudo se baseia na concepção da prática narrativa enquanto modo de resistência, assim como terreno fértil para a negociação de performances identitárias e o acúmulo de poder simbólico. A partir dessa perspectiva, o percurso analítico busca mapear a navegação pelas dinâmicas de poder em jogo nas interações. As práticas discursivas identificadas indicam que as narradoras desestabilizam concepções essencialistas de gênero, contestando assimetrias convencionais e reivindicando a criação de relações mais simétricas ‒ tanto no nível micro, como na sociedade mais ampla em que buscam efetuar mudanças. Isso posto, a valorização de traços simbolicamente masculinos frisa a linha tênue trilhada pelas narradoras na busca por status, e na evitação de sanções sociais sutis, no contexto de uma cultura pós-feminista. O questionamento de suas performances, a partir da prática de conarração, sinaliza a emergência de disputas tácitas por aprovação, por reconhecimento e pela pauta, saldo do embate entre práticas de resistência e pressupostos generificados conflitantes. As interlocuções multifuncionais das quais seus pares lançam mão: práticas de higiene verbal, alternâncias de código e problematizações, representam eventuais obstáculos à participação significativa na construção de significados e na deliberação da agenda. Simultaneamente, a análise destaca a dinamicidade de valores socioculturais ‒ passíveis de renegociação a partir da prática intersubjetiva de segundas narrativas e a negociação de práticas identitárias atreladas a meios distintos de fazer política, entre as quais os participantes oscilam. Estes entendimentos indicam que a ação discursiva dos ativistas ora desafia noções binárias de gênero, se aproximando do ideal da horizontalidade, ora as reifica, tornando a criação de espaços discursivos mais igualitários objeto de contestação. Desse modo, a pesquisa salienta a urgência de um olhar mais crítico direcionado a interações localmente situadas a fim de fazer avançar uma compreensão mais nuançada da construção da horizontalidade. Assim, será possível identificar eventuais atropelamentos microdiscursivos, arena para resistência; bem como práticas discursivas, potencialmente, fomentadoras da participação ativa de vozes plurais, para que as próprias práticas transformacionais almejadas pelos movimentos sociais possam ser colocadas em ação. / [en] The notion of horizontal organization continues to hold resounding appeal for those in pursuit of fairer societies, disillusioned with archaic models of representation. To an extent, overriding enthusiasm for such a model has led to the concept becoming something of a rallying cry for contemporary activists. Yet further reflection on the role of their own discursive practices in its construction can be scarce on the ground. This qualitative interpretive case study therefore asks to what extent symmetrical relations may materialize discursively within an ostensibly horizontal group, by taking a critical look at the narrative and interactional practices of a group of bicycle advocates, guided by a view of gender as performance. This is based on the understanding that the group s claims over the use of public space
are intertwined with the struggles of minority groups in civil society more generally. Though numerous social asymmetries may manifest themselves in such a group s discursive practices, the focus here lies on gendered asymmetries. This choice stems from observations gained during fieldwork, as well as those made possible by audio recordings of face to face debates held in Rio de Janeiro. With the aim of zooming in on these traditionally marginalized voices, data selection prioritized narratives told by women protagonists, as part of what is deemed an (auto)ethnographic listen. Microanalysis of these narratives is split into two layers: the first centered on the construction of the narrated world and the second on the interactions which unfold during the narrative world. In order to further comprehend this process, the analysis draws on constructs of narrative practice as a form of resistance, as well as identity as performance. Such practices are conceived of as fertile terrain for the negotiation of social roles and the accumulation of symbolic power. Such locally produced meaning is understood here as part of the geopolitics of gender on a macro scale, at once informed by and informing such structures. Based on this view, we seek to trace the navigation of power dynamics at play between those whose
perceived social identities are understood to be organized hierarchically. The analysis indicates that essentialist notions of gender are destabilized by narrators who contest conventional social asymmetries and lay claim to the creation of more symmetrical relationships, both at the level of micro interaction as well as in wider society in which they seek to effect change. Having said that, the extolling of symbolically masculine traits highlights the fine line which must be negotiated in
the quest for status while simultaneously avoiding tacit social sanctions in a postfeminist culture. The questioning of these performances, via conarration, suggests that discursive struggles arise over claims for approval and recognition, which may result from conflicting gendered assumptions brought to bear on the interactions. The deployment of multifunctional discursive phenomenon, such as practices of verbal hygiene, code switching and problematization appears to hinder more significant participation in the construction of meaning as well as agenda setting. At the same time, the analysis highlights the fluidity of sociocultural values, which may be subject to renegotiation via the intersubjective practice of second narratives and the (re)negotiation of identity claims bound up with distinct ways of doing politics, between which the participants oscillate. Such insights suggest the activists linguistic action at once reifies and challenges binary notions of gendered social roles, rendering the creation of fairer discursive spaces fraught with discursive contestation, albeit subtle. This study therefore highlights the need to critically examine locally situated interactions in order to obtain a more nuanced understanding of the construction of horizontality. As a result, it may be possible to identify discursive practices which potentially foster the active participation of less privileged groups. This might then enable the very transformative practice sought out by those engaged in social movements.
Identifer | oai:union.ndltd.org:puc-rio.br/oai:MAXWELL.puc-rio.br:48547 |
Date | 10 June 2020 |
Creators | NAOMI ELIZABETH ORTON |
Contributors | LIANA DE ANDRADE BIAR, LIANA DE ANDRADE BIAR, LIANA DE ANDRADE BIAR |
Publisher | MAXWELL |
Source Sets | PUC Rio |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | TEXTO |
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