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Profissionais, rivais e sobreviventes: intersecções entre gênero e violência nas narrativas de meninas autoras de atos infracionais violentos / Professionals, rivals and survivors: intersections of gender and violence in the narratives of girls who committed violent offenses

Esta pesquisa tem como objeto narrativas biográficas de meninas autoras de violência física. Analiso 22 narrativas biográficas de adolescentes mulheres cumprindo medida socioeducativa pelo cometimento de atos de violência física (homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio e sequestro) no Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino do Rio Grande do Sul (Casef-RS). Busco entender de que forma as experiências de violência (tanto sofridas quanto praticadas), as representações e as práticas de gênero figuram e se interseccionam nas narrativas biográficas das adolescentes entrevistadas. Analiso os tipos de relação que as adolescentes estabelecem entre violência física e sua posição como mulher nos espaços sociais por que transitam. Interessa-me entender como práticas e representações de gênero aparentemente contrárias à feminilidade enfatizada (como é o caso da violência física) são reguladas e significadas dentro de seus contextos específicos. Procuro apreender as condições em que o cometimento de violência é significado, pelas adolescentes, como coerente com sua posição como mulher, e em que condições isso não ocorre. Nesse sentido, esta pesquisa se insere nos debates sobre a prevalência da agência (a resistência) ou da estrutura social (a vitimização) nas práticas e representações de mulheres autoras de violência. Como referencial teórico-metodológico, utilizo a teoria das práticas de Pierre Bourdieu. Diante da importância da análise de narrativas de mulheres criminalizadas para apreender tanto as estruturas sociais quanto os sentidos subjetivos que elas atribuem à violência, utilizo o conceito de habitus narrativo desenvolvido por Fleetwood, a partir do qual procuro conciliar as proposições de Bourdieu com a análise narrativa. Neste trabalho, analiso em profundidade oito narrativas, divididas em quatro grupos. Para cada grupo, foram selecionados relatos que estabelecem relações específicas entre feminilidade e cometimento de violência. São esses grupos: (i) narrativas de meninas envolvidas diretamente com o tráfico de drogas; (ii) de meninas que cometeram atos violentos contra outras mulheres; (iii) de meninas que foram obrigadas a cometer os atos pelos quais cumprem medida socioeducativa; e (iv) de meninas que cometeram violência em defesa própria ou de outras pessoas. Concluo que o cometimento de violência por parte das meninas é compreendido por elas como coerente com a manutenção de sua feminilidade em determinados contextos. Assim, certas práticas violentas não fazem delas menos mulheres, tampouco são praticadas em resistência ou desacordo com suas percepções sobre o que cabe a uma menina fazer. As posições tomadas pelas meninas, em situações nas quais a violência é percebida como legítima e coerente com a feminilidade, são: (i) como profissionais, na tomada de responsabilidade em uma situação de trabalho no narcotráfico; (ii) como rivais ou esposas, agindo em prol da manutenção das relações monogâmicas heterossexuais e (iii) como sobreviventes, por necessidade imediata, autodefesa ou proteção de outros. Logo, argumento que não há por parte das meninas uma negação da feminilidade enfatizada. Proponho que o que ocorre é uma transformação e uma negociação das condições de reprodução desta feminilidade, em um processo que torna práticas violentas condizentes com a ordem de gênero de tais contextos. / This research analyses the biographical narratives of teenage girls who committed violent acts. I have collected 22 narratives of female juvenile offenders currently incarcerated due to violent offenses (homicide, attempted homicide, robbery murder, and kidnapping) at the Center for Social and Educational Services for Teenage Women, in Porto Alegre, Brazil. I aim at understanding how these girls representations of gender and physical violence (both suffered and committed) intersect in their biographical narratives. Thus, I investigate the connections they establish between their violent practices and the positions they occupy as young women in their social space. I focus on how gender practices that seem contrary to emphasized femininity (such as the practice of violence) are regulated and negotiated in these girls social context. I aim at understanding under which conditions the practice of physical violence is regarded as coherent with the girls femininity, and under which conditions it is not. Thus, this research inserts itself in the ongoing debate about whether it is agency (in the form of a resistance to gender norms) or social structure (in the form of victimization) that prevails in violent womens practices and representations of gender. In order to escape this dichotomy, I analyse these narratives through the lens of Pierre Bourdieus theory of practice. Aiming at apprehending both material conditions and subjective meanings attributed to femininity and violence, I use the concept of narrative habitus, as established by Fleetwood, to analyse these stories. In this dissertation, I analyse eight narratives in depth, dividing them in four groups. Each group is composed by narratives which comprise similar associations between femininity and violence. These groups are: (i) narratives of girls who are directly involved in the drug trade; (ii) narratives of girls who attacked other women; (iii) narratives of girls who were forced to commit violence and (iv) narratives of girls who committed violence to defend themselves or others. I have found that girls perceive their violent acts as coherent to their femininity in some contexts. Thus, some violent practices do not put them in conflict with their feminine identity and are not perceived as a form of resistance to gender expectations. In these girls understanding, legitimate and intelligible reasons and positions to commit violence and maintain their status as women are: (i) as professionals, when they are in charge of the drug trade; (ii) as rivals or spouses, when they commit violence against other girls who threat their heterosexual relationships; and (iii) as survivors, when they feel they have no choice other than to commit violence, to protect themselves or others. I argue, then, that these girls do not deny emphasized femininity, but that the conditions under which this femininity is socially accepted and reproduced is transformed and negotiated in these girls social context to accommodate practices like violence.

Identiferoai:union.ndltd.org:IBICT/oai:teses.usp.br:tde-16022018-112536
Date16 August 2017
CreatorsNatalia Bittencourt Otto
ContributorsEva Alterman Blay, Heloisa Buarque de Almeida, Maria Helena Oliva Augusto, Hermílio Pereira dos Santos Filho
PublisherUniversidade de São Paulo, Sociologia, USP, BR
Source SetsIBICT Brazilian ETDs
LanguagePortuguese
Detected LanguagePortuguese
Typeinfo:eu-repo/semantics/publishedVersion, info:eu-repo/semantics/masterThesis
Sourcereponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP, instname:Universidade de São Paulo, instacron:USP
Rightsinfo:eu-repo/semantics/openAccess

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