Com o intuito de pensar sobre a peculiaridade dos impasses relativos à formação dos mais novos no contexto de uma sociedade de consumidores, recorremos ao que Hannah Arendt e Jacques Rancière propuseram acerca da relação entre arte e política. De acordo com Arendt, um dos desafios impostos à tarefa dos mais velhos de introduzir os recém-chegados ao mundo numa sociedade de consumidores diz respeito ao modo como temos nos relacionado com a herança cultural que o passado nos legou. Isso porque destruímos os objetos culturais que ajudam a constituir um mundo comum na medida em que os transformamos em meios de entretenimento, passíveis de serem consumidos. Se partimos da reflexão sobre o fenômeno da arte como uma das formas privilegiadas de compreender o que é esse mundo comum ao qual os adultos devem introduzir as crianças é porque, segundo Arendt, as obras de arte são os objetos culturais máximos que devem ser salvos da ruína da destruição ou do esquecimento. Rancière, por sua vez, afirma que a arte e a política podem contribuir para que possamos reconfigurar as coisas comuns, mesmo no contexto da sociedade homogênea e consensual da qual fazemos parte. Elas podem romper com a distribuição dos espaços, das competências e incompetências de acordo com o lugar que ocupamos na sociedade, contribuindo para forjarmos contra o consenso outras formas de senso comum. Podemos pensar, então, sobre um sentido formativo da arte a partir da possibilidade de reconfigurarmos outras formas de convívio que ligam sujeitos ou grupos em torno de uma outra comunidade de palavras e coisas, formas e significados. Rancière não parece acreditar, nesse sentido, apenas na destruição do que há em comum entre os homens numa sociedade marcada pela lógica do consumo. Ele afirma que a transição dos objetos e produtos do mundo da arte para a esfera da utilidade e da mercadoria pode romper com o curso uniforme do tempo, alterando o estatuto dos objetos e a relação entre os signos e as formas de arte, de modo que possamos nos apropriar ativamente do mundo comum. Nesse contexto, acreditamos que a escola pode se configurar como um recorte no tempo e no espaço da produção e do consumo, em que podemos oferecer aos recém-chegados a possibilidade de pertencerem ao comum do mundo. Talvez numa época em que as coisas mais corriqueiras podem adentrar a esfera da arte, propondo outras formas de experiência sensível, a educação tenha, mesmo num contexto de crise, a possibilidade aberta e sempre renovada de convidar os mais novos a adentrar a imensa floresta de coisas e signos que constituem o mundo comum. / In order to analyze the peculiarity of the dispute over the education of the newcomers in a consumer society, we call upon what Hannah Arendt and Jacques Rancière proposed about the relationship between art and politics. In line with Arendt, one of the challenges faced by the adults when introducing newcomers to the world in a consumer society refers to the way we deal with the cultural heritage that has been transmitted to us from the past. We destroy the cultural objects that help provide a common world as we transform them into consumable media entertainment. We begin by considering the art as a privileged way of understanding this common world in which adults introduce children because, according to Arendt, the art works are cultural objects par excellence that must be protected from ruin of destruction or oblivion. Rancière, in turn, says that art and politics support the reconfiguration of common things, even in the context of homogeneous and consensual society to which we belong. They can break with the use of spaces, the competence and incompetence with respect to our place in society, contributing to forge consensus against different forms of common sense. We can think about an educational sense of art out of the possibility of configuration of different forms of living together that bind men and groups around a different community of words and things, forms and meanings. Rancière does not seem to believe only in the destruction of what is common among men in a society ruled by the logic of consumption. He says that the transition of the objects and products from the art world to the sphere of utility and commodity may break the uniform course of time, changing the status of objects and the relationship between signs and art forms, so we can actively appropriate the common world. In this context, we believe that school can be configured as a cutout in time and space of production and consumption, in which we can offer newcomers the opportunity to belong to the common world. Perhaps in a time when the most ordinary things can enter the sphere of art, proposing other forms of sensitive experience, education has even in times of crisis the open and constantly renewed possibility to invite the young to enter the vast forest of things and signs that constitute the common world.
Identifer | oai:union.ndltd.org:usp.br/oai:teses.usp.br:tde-08092015-150622 |
Date | 07 July 2015 |
Creators | Lamas, Anyele Giacomelli |
Contributors | Carvalho, José Sergio Fonseca de |
Publisher | Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP |
Source Sets | Universidade de São Paulo |
Language | Portuguese |
Detected Language | Portuguese |
Type | Dissertação de Mestrado |
Format | application/pdf |
Rights | Liberar o conteúdo para acesso público. |
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